domingo, 14 de outubro de 2012

Tian An Men – 1989 – Da deriva revisionista ao Motim Contrarrevolucionário - Ludo Martens - Parte I



Tian An Men – 1989 – Da deriva revisionista ao Motim Contrarrevolucionário (Primeira Parte)

Por: Ludo Martens

Traduzido por:Ícaro Leal Alves

Originalmente publicado em: Etudesmarxistes y autores, nº 12, 1 de septiembre de 1991

Traduzido de acordo com a versão em espanhol disponível em: http://www.forocomunista.com/t6550-ludo-martens-tian-an-men-1989


Com este trabalho escrito há 15 anos – coisa que é preciso ter em conta – o comunista Ludo Martens se atreve a contradizer o pensamento único. Bombardeados pela propaganda dos reacionários, parecia difícil se atrever a questionar tantas mentiras. Mesmo assim, o autor expõe sua analise sobre a base de uma coleção completa de informação. A analise de classe se defronta com as mentiras e meias verdades do imperialismo, e também com o imaginário coletivo. Porém, como disse o autor:“a arrogância imperialista não nos impressiona, pelo contrário, estamos seguros de que as pessoas que mantém o espirito lucido, que não padecem da histeria antissocialista, se verão obrigadas a pensar seriamente sobre a justeza de nossas posições, depois de escutar nossas evidências e nossos argumentos”.

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Seis meses antes dos acontecimentos de Timisoara o mesmo se passou em TianAnMen. Os meios de comunicação do mundo “livre” mostraram ao mundo sua fisionomia macabra no momento da entrada em cena do “ossuário dos 4.630 cadáveres horrivelmente mutilados” em Timisoara, jáhavendo demonstrado seu compromisso político com a contrarrevolução, nos eventos da Praça TianAnMen em Maio e Junho de 1989. Na noite da intervenção do Exército Vermelho[1], imagens de televisão nos mostraram que os tanques chineses reprimem as centenas de pacíficos estudantes na Praça TianAnMen. Em 5 de Junho, a Anistia Internacional, a máquina especializada em fabricar mentiras no que respeito a luta nacionalista e os países socialistas, deu a cifra de no mínimo 1.300 mortos, e alguns estudantes esmagados por tanques sanguinários enquanto dormiam tranquilamente em suas tendas.


Domingo, 5 de Junho, um trabalhador comunista em uma grande fábrica de automóveis gravou imagens em vídeo. “Esta noite revi essas imagens, por pelo menos vinte vezes. Cheguei a conclusão de que os comentários dos periodistas eram falsos e que nas imagens não se via ninguém sendo esmagado pelos tanques.” Mais tarde, a Anistia Internacional reconheceu que “se equivocou”. Porém, quanta gente, traumatizada pela verdade sobre o comunismo chinês, “que pisoteia desapiedadamente seus estudantes pacifistas sob os passos de seus tanques”, transmitida por estes violentos defensores dos direitos humanos, sabia desta mentira?

Um ano depois dos acontecimentos de TianAnMen dispomos de suficiente informação fiável para elaborar uma analise de classe objetiva. Porém para entender os interesses políticos e econômicos protegidos pelo “movimento pela democracia”, de Abril a Junho de 1989 em Pequim, nós encontramos três fenômenos negativos que vão se desenvolvendo entre 1979 e o ano fatal de 1989.



O ascenso do capitalismo e do revisionismo na China


Economia: a Volta dos Patrões

Falemos primeiro da esfera econômica. Os dez anos de reforma de Deng Xiaoping contribuíram para um progresso material inegável. Porém, também vão aumentando a influencia do capitalismo e do imperialismo na China, aumentando a base economia das novas classes sociais que aspiravam a uma contrarrevolução. A liberalização e a abertura das forças do mercado impulsionaram forças econômicas que se opõem ao socialismo que, cedo ou tarde, se laçariam a uma luta pelo poder. Sucedeu com o suposto “movimento pela democracia” na Praça TianAnMen.

A entrada do imperialismo

De acordo com Beijing Information, a China havia firmado no final de 1988 16.325 ofertas de importação de capital estrangeiro num total de 79,2 mil milhões de dólares. Deste montante recebeu empréstimos de 33 milhões de dólares e 11,5 milhões de dólares em inversões diretas. Os maiores inversores são Hong Kong, com 8 milhões de dólares, Japão com 2 mil milhões e os Estados Unidos com 1,7 milhões[2]

Com as inversões estrangeiras, os ideais econômicos do imperialismo mundial entraram na China. Assim, em 12 de setembro de 1988, ZhaoZhiyang, deu boas vindas a Milton Friedman[3] e elogiou suas ideias econômicas. Lee Iaccoca, o presidente de Chrysler, ministrou conferência sobre o espirito empresarial no Salão da Assembleia do Povo[4]. Segundo a agência de noticias chinesa, a Comissão para a Reforma do Sistema Econômico celebrada no final de 1988: “No marco da reforma econômica da China, não há nada que não esteja aberta a participação estrangeira, como o estudo da transformação do sistema econômico”. No curso desse ano, a Comissão escutou a opinião de 1.500 especialistas estrangeiros, e concluio que podia “aprender muito do desenvolvimento econômico do Ocidente”. Para a China foram enviados os especialistas ocidentais, especialmente no campo das finanças, no âmbito da gestão empresarial, da formação de preços, da política de inversão e do controle da inflação. Seus pontos de vista “apontaram uma contribuição positiva tanto prática como teoricamente para a reforma econômica”[5].

A influência ideológica do Ocidente

Durante os últimos dez anos, dezenas de milhares de estudantes chineses estudaram nos Estados Unidos. O Partido Comunista da China estendeu o culto aos logros tecnológicos dos Estados Unidos e a sociedade de consumo estadunidense. As consequências negativas não se fizeram esperar.

Centenas de milhares de intelectuais começaram a escutar as rádios do imperialismo: A Voz da América e a BBC.

Um periódico ligado ao governo dos EUA, escreveu em relação as manifestações em Pequim “os participantes do movimento estudantil comunicavam-se com seus colegas da América do Norte e Europa por telefone, fax e correio eletrônico. O número de chamadas telefônicas entre os EUA e a China triplicou no mês de Maio”.[6]

Li Shaomin, um ex-guarda vermelho e um ex-aluno de Pequim, um médico da Universidade de Princeton nos EUA, agora trabalha para a AT & T. sua posição é muito representativa da de muitos chineses que estudaram no Ocidente. “Muitos intelectuais chineses, incluindo eu, temos chegado a considerar a Formosa como um modelo para a reforma econômica na China. (...) A propriedade privada e o livre mercado são os fundamentos da liberdade política. (...) As instituições capitalistas proporcionam a prosperidade e a liberdade, as instituições comunistas, a pobreza e o caos. (...) Com Formosa como exemplo, a República Popular da China é mais propensa que outros países comunistas de refutar a doutrina marxista e realizar as reformas." É por isso que Milton Friedman disse: “Eu sou mais otimista com respeito a China que a União Soviética. Os chineses tem este grande recurso da China de fora. O êxito dos chinese em Hong Kong, Singapura, Formosa, há criado na China uma inspiração que o exemplo da Polônia, Hungria ou Yugoslávia não pode dar a União Soviética.” Segundo uma enquete, levada a cabo por Li Shaomin entre 607 estudantes chineses nos Estados Unidos, 90% se manifesta favorável a supressão das referência ao marxismo-leninismo e a liderança do Partido Comunista na Constituição e 86% disse que a China tem que se basear na experiência de Formosa, e 60% estava a favor de uma economia liberal no estilo de Formosa[7].

O desenvolvimento de uma burguesia na China

Uma política razoável para um desenvolvimento limitado de um setor capitalista na China saiu do controle, terminando em uma mare de salvagem capitalismo privado. Segundo as estatísticas oficiais, em 1988, 22% da inversão imobiliária foi realizada pelo setor privado num valor de 100 mil milhões de yuanes, um aumento de 25% em relação ao ano anterior. O valor da produção industrial no setor privado registrou um aumento de 46% nesse mesmo ano, a produção das empresas rurais, no mais muito próximas de uma empresa privada, se incrementou em 35%.[8]

A publicação Far Eastern Economie Review estimou que em 1988 37% da produção industrial haviam caído no controle de setores privados, um percentual que tenderia a passar de 50% em 1993[9]. O Business Week, por sua parte, saudou, no momento em que os atos tinham lugar em Pequim, “o aparecimento de novas empresas prosperas na China. (...) As empresas privadas por meios não autorizados para levantar dinheiro. (…) A nova China está asfixiando a China tradicional no domínio dos capitais”[10].

As forças por detrás do movimento “democrático”

O imperialismo e o capitalismo, muito presente na China no setor econômico, sustentaram o movimento supostamente democrático dos estudantes e dos “reformadores” do núcleo de Zhao Ziyang, com o fim de criar uma força política legal. Em Maio de 1989, Business Week, escreveu: “Muitos homens de negocio estrangeiros na China apoiam os reformistas na ideia de que um passo maior de liberdade na política só pode fortalecer em largo prazo, o comércio”[11]. O diário The Guardian assinalou: “é interessante observar que alguns apoios aos pontos de vista pró-democráticos vinheiram dos novos empresários ricos”[12]. Far Eastern Economie Review notava, sempre na mesma época de Maio de 1989: “O mundo dos negócios de Hong Kong é favorável as solicitações dos estudantes para mais reformas e mais democracia. Os magnatas de Hong Kong, Li Kashing, Yk Pao y Stanley Ho expressaram publicamente seu apoio. A pressão para uma abertura política podia, segundo eles, ser muito positiva para o futuro do capitalismo na China”[13].

Política: a alavanca da democracia burguesa

O segundo fenômeno que marcou a evolução da China entre 1979 e 1989 se encontra no campo político, que viu o surgimento de uma nova força contrarrevolucionária.

Em um momento em que China apostou no desenvolvimento de um setor capitalista e na introdução de multinacionais, vimos surgir no âmbito político, as primeiras forças antissocialistas. Em 1979, Pequim vê como no “murro da democracia” se plasmavam todos os tipos de tendências anticomunistas. Em 9 de Março de 1979, um famoso mural anunciava “lutamos para que a China cumpra com os verdadeiros direitos humanos e a verdadeira democracia”, mostrando assim as bandeiras de baixo das quais os comunistas marchariam nas próximas décadas. Com efeito, os “direitos humanos” e as palavras “democracia” são utilizadas pelo imperialismo para ocultar a mercadoria ideológica que põe a venda. Os principais pontos do programa que lançou este periódico mural são os seguintes: Em primeiro lugar, “Apoiamos o estudo da cultura e da civilização inspirada pelo espirito de Cristo, nós propomos tomar o exemplo dos sistemas democráticos baseados nos ensinamentos do cristianismo”. Depois “reclamamos o abandono das noções antiquadas de Mao Tsé-Tung, para revisar os princípios do marxismo, que não estão de acordo com a realidade e a abolição da luta de classes.” Em terceiro lugar, “pedimos que o Partido Comunista, que é ele do próprio de Mao Tsé-Tung, seja o Partido de todo povo.” E, por último, “chamamos o Partido Comunista Chinês e o Kuomintang a colaborarem de novo nas novas condições históricas”[14].

Wei Jing-Sheng, o pequeno Le Pen chinês

Wei Jing-Sheng é o homem que, entre 1978 e 1979, sustentou com maior força as concepções políticas do imperialismo. Conquistou certa fama na direita ocidental dizendo que a China necessitava de uma quinta modernização: a democracia. O que se esconde na palavra “democracia” é evidente quando uma pessoa se presta ao sacrifício de ler o programa de Wei.

Essas são suas teses: “as democracias burguesas ocidentais permitem que os cidadãos possam expressar sua vontade através das eleições e decidir o futuro do país (...) Esta é a razão pela qual nenhum político burguês pode ignorar as opiniões das pessoas sobre qualquer tema. (...) A base econômica sobre a qual se manteve os governos democráticos é o sistema da livre empresa. (...) No Ocidente, os trabalhadores poderiam enviar delegados operários aos conselhos de administração, ocupando ali a metade dos postos. (...) Na rivalidade que opõe capital e trabalho, os trabalhadores estão, de fato, em melhores condições num sistema onde a maioria pode decidir a política. (...) Faço um chamado aos que pensam assim para se por atrás dessa bandeira de democracia. O socialismo marxista é sem exceção uma ditadura antidemocrática. (...) Temos que canalizar nossa ira contra esse sistema de justiça criminal que trata o povo desta forma tão escandalosa”[15].

Os estudantes contra o socialismo

Estas ideias contrarrevolucionárias, defendidas em 1979 por Wei e um pequeno círculo de amantes do imperialismo, encontraram um crescente eco entre os intelectuais nos anos posteriores. As causas são muitas. O Partido Comunista terminou praticamente com a educação marxista-leninista entre os estudantes. Deixou de lutar contra as concepções políticas do imperialismo. O liberalismo, a corrupção e o enriquecimento ilícito se estenderam entre algumas frações do partido.

Quando, entre 1985 e 1986, um movimento estudantil se desenvolveu nas grandes cidades chinesas, “as emissões de A Voz da América desempenharam um papel determinante”, como confirmaria um jornalista norte-americano expulso da China por atividades de espionagem[16]. Por ocasião destas primeiras ações estudantis, o professor Fang Lizhi declarou que a China tinha que abandonar o marxismo, roupa velha e de segunda mão. Wag Ruowang reclamou uma “reavaliação completa do desastre criado por Mao Tsé-tung”. Lui Binyan denunciou “a ditadura feudal-fascista” do Partido Comunista e afirmou que o capitalismo era superior ao socialismo[17]. Tais afirmações encontraram um grande eco na fração dos estudantes e intelectuais que tinham como modelo as elites dos países imperialistas e neocoloniais.

Durante os anos 1987 e 1988, estes elementos, alimentados diariamente pelas emissões de A Voz da América, podiam difundir amplamente suas ideias nas universidades: o Partido não fazia ali nenhum trabalho político digno desse nome.

No ano de 1988, os núcleos contrarrevolucionários prepararam ações de massa para celebrar os três aniversários que deviam brilhar no ano seguinte: o 70 aniversário do Movimento Quatro de Maio[18], o 200 aniversário da Revolução Francesa e o 40 aniversário da Revolução Chinesa. Assim, em 6 de Janeiro de 1989, Frang Lizhi escreveu uma carta a Deng Xiaoping em que mencionava estas três festas e pedia que estes acontecimentos fossem celebrados com libertação de Wei Jing-Sheng, indicando com claridade a plataforma política com a qual pensava atuar. Seguindo a Fang, 33 intelectuais repetiram em uma carta aberta a reivindicação de libertação de Wei. Entre os assinantes, Su Shaozhi, que foi um alto funcionário, até 1987, do Instituto de Marxismo-Leninismo e do Pensamento Mao Tsé-Tung. Em princípios de Março de 1989, 42 personalidades dos meios científicos e acadêmicos, entre os quais se encontravam vários membros da Assembleia Popular, assinaram outra carta aberta também exigindo a libertação de Wei. Esta mare de cartas, orientada sobre Wei e suas ideias políticas, suscitam muitas discussões entre os estudantes. Assim foi como começou a preparação politica do protesto de Abril e Maio de 1989.

O Partido as vésperas da ruptura

O terceiro fenômeno foi fundamental no surgimento do movimento de Pequim: a divisão interna do Partido Comunista da China e o crescimento de uma facção revisionista muito influente.

Hu e Zhao, o casal revisionista

Hu Yaobang, nomeado secretário-geral do Partido em 1982, foi o representante mais destacado desta corrente. Em 1981, seu grupo denunciou “a teoria segundo a qual as classes e a luta de classes existem durante todo período socialista, existindo burguesia no interior do Partido Comunista”[19]. Quatro anos mais tarde, Hu declarou: “tomamos a decisão de não utilizar a partir de agora a expressão elemento anti-partido e antissocialista”[20]. Hu assegurava, com estas teses, a tranquilidade aos elementos podres, aos burocratas, aos corrompidos e aos revisionistas. Em 1988, Hu foi substituído por um de seus cumplices na facção revisionista, Zhao Zhiyang.

Para assinalar a virada ideológica, Beijing Information escrevia em 1988: “Kruschev conheceu um ressurgimento de popularidade na China”. E: “Stálin foi um ditador, em absoluto um revolucionário”. Houve um apogeu das traduções para o chinês da literatura antisstalinista publicada esses últimos anos na URSS, entre as quais figuravam as memorias do professor de Stálin. Quando alguém começa a denegrir Stálin é necessário entender a verdadeira mensagem que querem passar. Assim, o professor Lu Congmig, da Escola do Partido que dependia do Comitê Central, aspirava que “a natureza de nossa época mude a medida que se passe da etapa imperialista à do capitalismo social”[21]. É o perigo da negação do imperialismo, tanto para o Terceiro Mundo como para a China! E prosseguia: “o capitalismo desenvolvido pode produzir elementos socialistas e passar ao socialismo de forma pacífica. (...) Tanto a economia socialista como a economia capitalista são economias de mercado socializadas. (...) O capitalismo contemporâneo é um bom modelo para o mercado socializado”. Quando escutamos barbaridades como estas, compreendemos o furor de Mao Tsé-Tung que, em plena Revolução Cultural, criticava as “misturas dos revisionistas e contrarrevolucionários”[22]. O professor Lu Lanza depois de um panegírico do capitalismo: “Vemos ali uma mudança da propriedade dos meios de produção, a propriedade social substitui a propriedade privada. Por outro lado, assistimos a participação dos operários na gestão da empresa. O macrocontrole do Estado sobre a economia é, de fato, o principio da economia planificada. A nova repartição das rendas pelo governo e o desenvolvimento da seguridade social contribuem para debilitar as diferenças entre ricos e pobres”. Este revisionista apresenta o capitalismo como uma sociedade que já realizou as promessas do socialismo; e depois predica para a China uma política capitalista como melhor forma de desenvolver o capitalismo... Que curioso parentesco ideológico entre Wei, sempre na prisão, e o professor Lu, que ensina aos quadros superiores do Partido!

A situação se torna mais grave quando a mesma orientação política é expressa por Zhao Zhiyang, que em 1988 afirma: “o Partido Comunista Chinês vai trabalhar conjuntamente com o Koumintang da China para a reunificação em breve prazo. Os dois lados do estreito (quer dizer, China e Formosa) tem muitíssimo em comum desde o ponto de vista político, econômico e cultural. Ambos desejam a cooperação, o desenvolvimento conjunto da economia nacional, melhorar o nível de vida e uma China próspera, poderosa e moderna”[23]. Esta concepção da convergência entre a China socialista e Formosa, o reino das multinacionais e do capitalismo selvagem, mostra o correto da observação de Milton Friedman: os grandes capitalistas chineses de Formosa, Hong Kong e Singapura empurram o continente até a restauração capitalista.

O enfrentamento no seio do Partido

Para compreender o enfrentamento político de Maio e Junho de 1989 na Praça de TianAnMen é necessário saber que em Janeiro de 1987 começou uma primeira luta importante no seio do Partido Comunista Chinês. O movimento estudantil do ano de 1986, diretamente inspirado e dirigido por Fang Lizhi, atacou as bases do socialismo na China. Deng Xiaoping que, até esse momento, seguira firmemente ao revisionista Hu Yaobang, mudou então de opinião. Em 28 de setembro de 1986, declarou: “Em Hong Kong e em Formosa, correntes de opinião procuram lutar contra os quatro princípios fundamentais (o marxismo-leninismo e o pensamento Mao Tsé-Tung, a via socialista, a ditadura popular e a direção do Partido Comunista) e predicam a via capitalista para dar a impressão de que dessa forma lograremos a modernização do país. De fato, está liberalização simplesmente nos levaria a via capitalista”[24]. Em 19 de janeiro de 1988, Po Yipo apresenta, ao birô político, um informe em que critica o trabalho de Hu Yaobang. “Hu Yaobang animou a elementos ativos que advogavam pela liberalização burguesa e adotou uma posição condescendente e de proteção ante eles. Tudo isto levou diretamente a que nos reivindicassem a supressão dos quatro princípios fundamentais e a passagem para uma ocidentalização integral e por um sistema político e econômico capitalista”[25].

A queda de Hu Yaobang debilitou ao núcleo revisionista a cabeça do Partido. entretanto, Deng Xiaoping nomeou a outro representante da mesma corrente, Zhao Zhiyang como novo secretário-geral.

Porém no curso da luta que leva a queda de Hu, as posições da esquerda do Partido recebem um eco crescente. Chen Yun declarou: “a fonte da liberalização burguesa se encontra no setor econômico. Uma economia planificada é socialista, uma economia de mercado é capitalista e promover uma economia de mercado é promover o capitalismo”[26]. Denunciando a via capitalista, Chen Yu critica também a corrupção que estava associada a ele: “os dirigentes do Partido tem que dar exemplo ao povo. Devem estar a cabeça da luta pela eliminação da corrupção da classe capitalista e as negativas tendências que provem da mesma. Muitas empresas são dirigidas por familiares próximos dos dirigentes. Esse é um problema muito grave”[27].

Em 1988, Zhao Zhiyang, o novo secretário-geral, continua protegendo aos grupos revisionistas colocados por Hu Yaobang na direção de certas instituições do Partido, permitindo-lhes, inclusive, estender sua influência. Em 1986, o colaborador mais próximo de Zhao, Bao Tong, autorizou a criação em Pequim dos Fundos para a reforma e a abertura da China, financiado por Georges Soros, um importante homem de negócios americano[28]. O grupo de Zhao Zhiyang defendia o seguinte ponto de vista, expresso por intelectuais chineses residentes nos Estados Unidos: “acreditamos que uma mudança no sistema de propriedade do Estado não só é uma necessidade histórica senão que é realizável na prática. Nosso projeto é este: organizar um programa global de privatização do sistema de propriedade estatal”[29]. Em Novembro de 1988, Li Yining, professor da Universidade de Pequim e colaborador próximo de Zhao, reafirma: “O objetivo final é a criação de mercados bem geridos, de tipo capitalista, para bens, finanças, trabalho e viveres”[30]. Esta posição é confirmada por outro colaborador de Zhao, Chen Yi-zi: “Zhao estava convencido de que uma economia planificada de tipo stalinista não podia fazer avançar a China e que era necessário uma economia de mercado”[31].

É interessante notar um último ponto. No momento das manifestações estudantis, um periódico de Hong Kong escreveu: “Zhao solicitou a uma comissão preparar uma proposição de reforma política que incluísse ideias para uma competência multipartidária e uma imprensa independente”[32]. O multipartidarismo na China significa antes de tudo a legalização do Koumintang, o partido fascista no poder em Formosa. No relativo a imprensa “independente”, dependeria totalmente dos meios financeiros de Formosa, de Hong Kong, e dos Estados Unidos. Porém com sua opção pelo multipartidarismo, Zhao é aclamado no Ocidente como um democrata. E, sem embargo, é precisamente o grupo de Zhao Zhiyang que reclama, em fins de 1988 e princípios de 1989, um “novo autoritarismo” para levar adiante as reformas capitalistas. Reproduzimos o que Zhao disse a Deng Xiaoping em 6 de Março: “Um país subdesenvolvido que quer modernizar-se tem que passar por uma certa etapa em que precisa do impulso de um governo forte e autoritário”[33]. Está claro: para fazer voltar a democracia burguesa e a liberdade de mercado, faz falta um governo autoritário e capaz de vencer as resistências a restauração capitalista.

Em fins de Dezembro de 1988, a luta entre os revisionistas e os marxista-leninistas conheceu um segundo auge. Uma pessoa próxima de Zhao Zhiyang reúne a trezentos intelectuais em um seminário no qual os “reformadores” celebres do Partido, como Yan Jiaqi e Su Shaozhi, tomam a palavra para denunciar as campanhas passadas contra o liberalismo burguês. Os textos, uma impetuosa defesa do capitalismo, são publicados posteriormente no World Economie Herald de Shangai. Em seu editorial, o periódico precisa: “há que tomar valentemente o exemplo das formas democráticas modernas desenvolvidas no capitalismo ocidental”[34]. Esta agitação de direita por parte dos intelectuais reformadores do Partido influiu diretamente sobre os meios estudantis da capital.

Chen Yun declarou nesse momento que “toda a frente ideológica está ocupada pela burguesia, não restou nada de proletário”. Wang Zhen e Po Yipo insistem, por três vezes e na compaia de Deng Xiaoping, na necessidade de substituir Zhao Zhiyang do posto de secretário-geral. Em Março de 1989, Li Sien-nien vai a casa de Deng para insistir de novo na necessidade desta demissão, que poderia realizar-se na quarta seção plenária prevista para as próximas semanas[35]. O movimento estudantil se põe em marcha em Abril em meio a esta luta dentro do Partido Comunista.

O que realmente querem os estudantes de Pequim

Nosso meios de comunicação nos contaram que os estudantes de Pequim se manifestaram por reivindicações democráticas e contra a corrupção, e que de nenhuma maneira queriam derrubar o regime socialista. Como prova até cantavam a Internacional. Pode existir prova mais brilhante de que baixo o socialismo a democracia é impossível? Uma camarilha de velhos burocratas, que se sentem superados, destroem com um banho de sangue um movimento inocente e ingênuo.

Toda a direita, desde o PSC (Partido Social-Cristão) até o VlaamsBlok (VlaamsBelang desde 2004), nos apresentam está versão. Os trotskistas realizaram uma atividade febril, após a repressão do movimento pró-imperialista, para conseguir que a esquerda belga defendesse aos “estudantes”. Reclamaram apoio de centenas de progressistas a uma petição que dizia que os estudantes “exigiam, de fato, uma democracia do socialismo” que também declarava que “o pretexto de que a contrarrevolução estava levantando a cabeça é inaceitável”[36]. Pelo contrário, nós afirmamos que atuando desta forma os trotskistas estavam comportando-se como verdadeiros agentes do imperialismo americano e do fascismo de Formosa. O leitor jugará se está acusação é fundamentada ou não.

Uma revolução contra o socialismo

Qual o caráter e a natureza do movimento de Pequim?

Horas depois da intervenção do Exército, em 4 de junho de 1989, Shaw Yuming, porta-voz do governo de Formosa, declarou: “ainda que algumas pessoas acreditem que este movimento estudantil representa só uma luta no seio do sistema e um movimento revolucionário dirigido contra o Partido Comunista, temos que sublinhar que, se se examinam bem as coisas, vemos que seu lema “democracia ou morte” e o fato de erigir uma estatua da “deusa da liberdade” sobre a Praça TianAnMen, prova de maneira evidente que lutavam por uma democracia de estilo ocidental.”[37] Duas semanas mais tarde, o porta-voz do governo de Formosa informa a um jornalista japonês: “senhor Yuan Mu, o porta-voz do governo de Pequim afirmou que os manifestantes buscavam derrubar o regime socialista (...) Dizia a verdade. Certas pessoas, como Frang Lizhi e outros intelectuais, são perfeitamente conscientes do que exigem. Porém, muitas pessoas pediam só algumas mudanças; não conheciam as implicações logicas do que reclamavam (...). em uma revolução uns são chefes e outros seguidores. Os chefes sabem o que querem, porém os seguidores tem só uma vaga ideia do que fazem. Muitas pessoas que estão na Praça TianAnMen pensavam que pediam só algumas mudanças, porém não sabiam que se tratava de uma revolução para sair do sistema.”[38]

Em algo, o Partido Comunista Chinês e o partido fascista de Formosa estão de acordo. Uma questão importante: o movimento “democrático” de Pequim tem absolutamente um caráter contrarrevolucionário.

O programa de Frang Lizhi

Para julgar se está avaliação está correta, é importante analisar, com toda objetividade o programa político preparado pelo núcleo da Praça TianAnMen.

O movimento, previsto originalmente para 4 de maio de 1989, foi preparado durante todo ano de 1988. A começos de 1989, Frang Lizhi, o padre espiritual indiscutível do movimento, visita as capitais ocidentais com o objetivo de receber apoios para o iminente movimento. No Libération de 17 de janeiro de 1989, Fang Lizhi publicou um artigo intitulado “A China necessita de democracia”, consigna repetida depois pelo movimento estudantil de Pequim. Denegrindo os 40 anos da construção socialista, Fang Lizhi declarou: “a lógica só leva à uma conclusão: as desilusões dos últimos 40 anos devem ser atribuídas ao sistema social (...). O socialismo, em seu modelo Lênin-Stálin-Mao, foi completamente desacreditado.” Partidário da introdução das leis do capitalismo na China, acrescenta: “pode uma economia livre ser compatível com o modelo especificamente ditatorial do governo chinês? Um olhar sobre a China de 1988 prova que a única resposta é não. A China difere de outros países porque seu sistema de ditadura não pode suportar uma economia totalmente livre. E isto é porque a ditadura socialista está intimamente vinculada a um sistema de “propriedade coletiva” e a sua ideologia fundamental é antagônica aos direitos de propriedades requeridos por uma economia livre.”

Fang Lizhi continuava precisando que entendia a expressão “liberdade de imprensa” como a liberdade de expressão para a ascendente classe dos capitalistas chineses: “o editor de um jornal de Cantão escreveu rescentemente que a função de seu jornal era escrever, não em nome do PCC, mas sim no da classe média emergente de Cantão.”

E para concluir seu artigo, Fang Lizhi precisou a tática que havia de seguir, inspirado amplamente pelas experiências polaca e húngara: “a democracia é algo mais do que um slogan: exerce uma pressão consubstancial a ela. O objetivo desta pressão é obrigar as autoridades, progressivamente através de meios não violentos, a aceitar mudanças na direção da democracia política e da economia livre.”[39]

No momento em que o suposto movimento pela democracia foi lançado sobre Pequim, seus diferentes porta-vozes, quando negociavam as perspectivas econômicas e políticas da China, só repetiam essas orientações.

Esta declaração-programa de Fang Lizhi mostra todo seu alcance quando se examina, paralelamente, a politica declarada por Formosa. Recentemente, o primeiro-ministro de Formosa, Lee Huan, manifestou, antes de seu governo, a linha de atuação. Segundo Lee Huan, Formosa “só levou a cabo uma ofensiva política sobre o continente, porque uma ofensiva militar exigiria sacrifícios demasiado elevados e custaria demasiados danos.”[40] E nos documentos do Koumintang, encontramos as linhas diretrizes seguintes: “prosseguir ativamente o trabalho ideológico sobre o continente com o fim de combater a estratégia do Partido Comunista. Eliminar a ditadura marxista-leninista no continente. Destruir a ditadura de partido único do comunismo chinês. Permitir a propriedade privada da terra e o desenvolvimento da empresa privada.”[41]

A Federação para a Democracia e o Koumintang: as coincidências

Três meses depois da repressão do movimento, seus principais lideres se reencontram em Paris para criar a Federação para a Democracia na China. Elegem sua direção: Yan Jiaqi, principal dirigente dos intelectuais da Praça TianAnMen, Wuer Kaixi, próximo a Zhao Zhiyang e principal dirigente estudantil e Wan Runnan, um dos mais importantes capitalistas da República Popular.

O programa adotado pela Federação não se distingue em nada do perseguido pelo Koumintang. A Federação dos “democratas” denunciou que o Partido Comunista criou “um sistema onde, o totalitarismo stalinista se uni ao despotismo oriental”. Afirma que “a tolerância do povo chinês, no que respeito ao Partido Comunista, alcançou limites extremos”. Seus objetivos principais são formulados assim: “desenvolver a economia de iniciativa privada e acabar com a ditadura de partido único”.[42]

Desde o momento em que o programa foi publicado, o paralelismo entre a política dos fascistas de Formosa e os dirigentes de TianAnMen teriam que alarmar a todos os progressistas e anti-imperialistas. Desde então, as posições destes dos grupos anticomunistas não fizeram outra coisa que coligar-se. Em primeiro lugar, tanto o Koumintang como a Federação para a Democracia buscavam derrubar o Partido Comunista, apoiando-se nas forças da alta burguesia de Formosa, dos Estados Unidos, de Hong Kong e de Singapura.

Perante um auditório em São Francisco, Shaw Yuming, diretor geral de informação do governo de Formosa declarou: “o governo da República da China (Formosa) seguiu de perto o movimento estudantil desde o primeiro momento e estudou diversas contra-estratégias. Sem embargo, para não dar nenhum pretexto aos comunistas chineses para suprimir o movimento, devemos adotar uma atitude extremamente prudente. (...) Nossa esperança é utilizar o modelo de desenvolvimento de Formosa como base para alcançar nosso objetivo: a reunificação da China baixo um sistema livre e democrático. (...) Os Chineses do continente, de Formosa, de Hong Kong, de Macao, dos Estados Unidos, do Canadá, da Europa e da região oriental da Ásia chegaram ao consenso, depois da matança de TianAnMen, de acabar com a tirania dos comunistas chineses.”[43]

Esta orientação política de Formosa, é repetida praticamente palavra por palavra pelo porta-voz dos intelectuais do movimento de Pequim, Yan Jiaqi. Em 28 de julho de 1989, por ocasião da primeiro seção do Congresso dos Estudantes Chineses nos Estados Unidos, em Chicago, declarou: “as contribuições devem vir dos chineses do ultramar. Os comunistas chineses podem controlar o povo com tanques, porém não podem suprimir a empresa privada fora da China. A democracia depende da expansão econômica. A formula de que Formosa tivera um governo democrático baixo a direção da República da China não é bem-vinda. O importante não é que a China está dividida entre forças socialistas e capitalistas, mas sim que umas são ditatórias e outras democráticas. Para nós, qualquer um que apoie a ditadura é nosso inimigo e qualquer um que se oponha a ditadura é nosso amigo. O povo de Formosa vê com esperança a bandeira democrática. Isto, penso, é a base fundamental para a reunificação de Formosa e da China continental.”[44]

A segunda coincidência: Kuomintang e a Federação para a Democracia, os dois, denigrem a experiência socialista na China desde a libertação em 1949. A pergunta dos jornalistas: “você acredita que os chineses idealizam muito os primeiros anos do comunismo?” Yan Jiaqi responde: “Não! O começo dos anos 50 é a época em que o Partido Comunista instala as bases do seu poder, que perseguia aos partidários do Kuomintang de Tchang Kaichek, em que expropriava aos capitalistas a plena luz do dia, no campo, repartia a terra entre os camponeses expropriando os bens imóveis dos proprietários. Está época em que o Partido Comunista começava sua primeira campanha contra os intelectuais e todas as pessoas que pensavam de forma diferente.”[45] Sua argumentação é retirada da tese dos fascistas do Kuomintang que pretendem que, desde a chegada ao poder, o Partido Comunista levou a cabo uma política “criminosa”.

A terceira coincidência: todo o discurso do Kuomintang, como ocorre com a Federação para a Democracia, está orientada sobre uma base central: a empresa privada, o capitalismo selvagem.

O secretário-geral da Federação para a Democracia na China é o milionário Wan Runnan, ex-diretor geral da sociedade de equipamentos eletrônicos Stone, uma das empresas privadas mais importantes da China. Tinha um beneficio aproximado de 50 milhões de dólares anuais. Em Fevereiro de 1990, Wan Runnan apresenta suas impressões a revista Boletim de Sinologia, editada em Hong Kong: “Wan Runnan acredita que a ditadura de partido único constitui um freio para o desenvolvimento econômico. Preconiza a instauração, na economia, de um sistema de propriedade privada e, na política, de um sistema pluralista.”[46] Perante a City University de New York, Wan Rumman declarou: “uma solução simples para os problemas da China consiste em privatizar a propriedade, fazendo possível a emergência de uma classe média.”[47] Yan Jiaqi confirma está opinião precisando que uma economia socialista é a base do totalitarismo, ideia central de Fang Lizhi. “Se a China não adotar um sistema de propriedade privada na economia, estará condenada ao totalitarismo e ao controle do pensamento.”[48]

As peregrinações a Formosa

Recentemente, a Federação para a Democracia na China, através de seu presidente Jan Jiaqi, deu a conhecer uma estratégia em quatro fases. Primeira fase: a queda de Li Peng. Segunda fase: revisão do juízo sobre a natureza do movimento de Pequim. Terceira fase: volta dos dissidentes e reforma da constituição na direção de um sistema pluripartidário como o da Polônia, Hungria e União Soviética. Quarta fase: estabelecimento de um sistema federal e eleições multipartidárias, com a participação do Partido Comunista, o Kuomintang e a Aliança Democrática.[49] Quando menos, nesta lista de intenções, o objetivo estava claro: a volta do velho partido fascista e a chegada de um novo partido criado nos Estados Unidos por agentes chineses da CIA.

Quando, meses depois da repressão do movimento pro-imperialista de Pequim, afirmamos que este foi dirigido por contrarrevolucionários e que pretendiam estabelecer o regime de Formosa na China, os trotskistas se fizeram de indignados. Mandel teve o atrevimento de escrever: “a vitória dos estudantes havia reforçado a base do socialismo na China. Seu esmagamento por uma camarilha de despostas militares foi um duro golpe ao socialismo.”[50] Agora vimos que todos os protagonistas do suposto movimento democrático desmascarar-se e mostrar abertamente como são agentes de Formosa e dos Estados Unidos. Vemos de quem foi advogado Mandel.

Yan Jiaqi, o pensador do movimento “democrático”, foi a Formosa em 8 de maio de 1990, para declarar isto: “Para a democratização da China continental, a experiência de Formosa tem um grande valor como referência.”[51]

O segundo héroi da Praça TianAnMen era Wuer Kaixi. Em 29 de janeiro solicitou uma entrevista com John Chang, o diretor do departamento de negócios chineses do Kuomintang, quer dizer, o chefe dos serviços secretos de Formosa na República Popular. Nosso democrata declarou aos fascistas: “a comunição entre os chineses anticomunistas é o primeiro passo em face da unidade.”[52]

Su Hsiao-Kang, o celebre escritor, chegou a Formosa a começos de janeiro acompanhado por outros quatro escritores, militantes da Praça TianAnMen. Ali denunciou: “o totalitarismo de tipo stalinista imposto por Mao Tsé-Tung”. Segundo a imprensa de Formosa, “criticou a Formosa pela pouca contundência de seu apoio ao movimento democrático do continente”. Sempre segundo a imprensa do Koumintang: “Su afirmou que certos membros da Federação para a Democracia na China pensavam que a ação sangrenta e a guerra civil eram inevitáveis no combate pela democracia.”[53]

Yueh Wu, dirigente do Sindicato Operário de Pequim, muito bem considerado por nossos trotskistas, chegou a 16 de janeiro a Formosa, convidado pela Liga Anticomunista Mundial![54]

Em janeiro, todos os dirigentes da Federação, liderados pelo secretário-geral Wan Runnan, assim como cinquenta estudantes e escritores do movimento de TianAnMen, foram convidados a Formosa. Um quadro do Kuomintang declarou: “hoje é um segredo público que todos os grupos importantes do movimento democrático recebem a maior parte de seus fundos de ajuda de Formosa.”[55]

Estas informações podem provocar calafrios em todos os que creram, em um momento ou outro, que os estudantes de TianAnMen eram moços ingênuos, politicamente virgens. Agora, as provas são contundentes: para toda a direção do movimento, a “liberdade” é a liberdade da empresa capitalista e da exploração, a “democracia” e o multipartidarismo é a volta do partido fascista do Kuomintang e de seus esquadrões da morte a China. A grande campanha anticomunista que a Anistia Internacional lançou em maio de 1990 tem por lema: “No ano passado, a primavera florescia na China cheia de Esperanças”.[56] Uma expressão claramente política que repetia a versão difundida pelos estrategos do imperialismo: o movimento pela democracia era uma primavera cheia de esperanças. Agora bem, se a Anistia Internacional quer fazer política (e a faz com grande refinamento), não pode impedir um debate aberto em suas fileiras sobre a analise deste movimento. E uma analise objetiva leva a uma conclusão indiscutível: este movimento apontava para o restabelecimento da dominação neocolonial sobre a China e o renascimento da dominação fascista do Kuomintang. E está é a orientação que defende a Anistia Internacional-Belga sobre o pretexto de “não fazer política”.

Seu “pacifismo” era uma mentira: aqui estão as provas

Hu Yaobang morreu em 15 de abril de 1989. O setor direitista dos estudantes de Pequim aproveitaram isto para reivindicar que a tendência de Hu, cuja orientação liberal pró-imperialista é bem conhecida, tivesse a direção absoluta do Partido e que os últimos representantes da linha marxista-leninista fossem eliminados. O primeiro requisito desta direita é a restauração dos méritos de Hu Yaobang, criticado em 1987, e a reabilitação política de todos os seus partidários excluídos do Partido, cuja figura principal é Fang Lizhi, o celebre adorador do imperialismo americano e do regime de Formosa. Em 24 de abril, este núcleo de estudantes anuncia a formação de um Comitê preparatório da Federação Nacional dos Estudantes e sua ruidosa defesa do Solidariedade indica sua intensão de construir um centro político legal capaz de reunir todas as forças anticomunistas.[57]

Como resposta, o Birô Político do Partido Comunista denunciou em 26 de abril “uma conspiração organizada e “uma agitação que intenta acabar com a direção do Partido Comunista e com o regime socialista”.

Em 2 de maio, o grupo estudantil envia uma petição ao Partido em que afirma responder a oferta de dialogo feita pelo governo. Quando se estuda este cuidadosamente, se comprova que este grupo não busca de nenhuma maneira o dialogo, senão o enfrentamento e que seu fim último é o derrubamento do Partido Comunista. No primeiro ponto, demandam “a igualdade absoluta” entre as duas partes, os estudantes e as autoridades nacionais, com a presença dos responsáveis mais altos do Partido e do Estado. Os estudantes devem ser representados pela Federação Autônoma dos Estudantes, o que implica o reconhecimento oficial das organizações antissocialistas. O grupo demanda também que o encontro seja retransmitido integralmente pela televisão, facilitando assim a implantação da organização anticomunista no conjunto do país.[58]

Compreendendo perfeitamente o sentido político desta tática, uma revista do governo norte-americano declara: “se está petição fosse conceita, os estudantes obteriam a legalização da primeira organização política completamente independente da história da República Popular e a negação dos quatro princípios fundamentais de Deng Xiaoping.”[59]

Zhao Zhiyang se une a contrarrevolução

Um feito importante se produziu em 4 de maio, com o discurso de Zhao Zhiyang, em seu retorno de Pyongyang. Ante os membros do Banco Asiático de Desenvolvimento, Zhao apresenta uma avaliação positiva do movimento estudantil e reprova aos que consideravam que este movimento estava dirigido por forças antissocialistas.

Uma revista do governo norte-americano fez, pouco depois, a seguinte analise da intervenção de Zhao: “apesar da enorme dimensão das manifestações, ainda não constituem uma rebelião popular. Estas manifestações só foram possíveis no momento em que os manifestantes viram que tinham a simpatia de uma fração do Partido e do aparato governamental, que via nos manifestantes uma ajuda ao seu combate contra os conservadores. Este processo começou depois do discurso de 4 de maio de Zhao.”[60]

Muitos membros do Partido Comunista são desorientados pelas apreciações sobre o movimento estudantil que veem da direção do Partido. Zhao da instruções a todos os meios de comunicação para que apoiem o crescente movimento. Graças aos meios de comunicação, o movimento estudantil se transforma em movimento popular. Depois da declaração da lei marcial, em 20 de maio, até o dia 25 de maio, a imprensa, a rádio e a televisão chamam a população a opor-se a entrada do Exército em Pequim.[61]

E neste momento, de confusão política geral, quando as forças autenticamente de esquerda, gente que criticava as reformas de Deng Xiaoping a partir dos princípios de Mao Tsé-Tung e Zhou En-lai, se comprometeram com o movimento. Desde esse momento os manifestantes perseguiram fins totalmente opostos, uns querendo o regresso aos princípios socialistas dos anos de Mao e outros impulsionando as reformas até a introdução da economia de mercado. Estes últimos tiveram a direção política do movimento em todo o momento.

A direita ao assalto do Poder

Em 17 de maio, Yan Jiaqi, um dos principais dirigentes do movimento e colaborador próximo de Zhao, publicou o Manifesto do 17 de Maio. Em apoio a Zhao Zhiyang contra o “imperador” Deng Xiaoping e contra “o governo controlado por um ditador absolutista”. Yan escreve: “Abaixo o editorial de 26 de abril! Abaixo a ditadura! Viva o espírito de oposição à tirania!” Seu manifesto é publicado no dia seguinte pela imprensa de Formosa.[62] Desde esse dia, fala abertamente da eliminação da esquerda marxista do governo.

Podemos ler em uma declaração da direção do movimento de TianAnMen, em 21 de maio: nós não somos a “classe de pessoas que buscam um compromisso com um governo que trata este movimento patriótico de modo errado”. Se o governo não desaparecer, então “os distúrbios nunca terão fim”.[63] No mesmo 21 de Maio, Yan Jiaqi reclama em uma declaração a derrubada do premier Li Peng, do presidente da República Yang Shangkung e da autoridade superior militar, Deng Xiaoping. Yan reclama sua expulsão do Partido e de sua corrente em acusação diante do tribunal.[64]

Porém, em fins de maio de 1989, a grande maioria do Comitê Central do Partido, liderada por Deng Xiaoping e Li Peng se une contra a fração pró-capitalista de Zhao Zhiyang.[65]

Em 1º de junho, o quartel general dos estudantes em TianAnMen demanda o fim da lei marcial e a retirada das tropas. Anunciando as violências que preparam, afirmam: “se estas reivindicações não forem aceitas os estudantes estarão dispostos a sacrificar suas vidas.”[66]

Manifestadamente o movimento perde o dinamismo. Porém o núcleo duro não pensa em ceder de nenhuma maneira. Pelo contrário, preparam ações desesperadas. Os estudantes decidem continuar ocupando a Praça TianAnMen até a seção do Congresso dos deputados de 20 de junho. Um novo auge de protestos sempre é possível em Pequim. Alguns distúrbios já se manifestavam nas províncias. Uma revista do governo norte-americano que comprova a decadência do movimento escreve: “por causa do financiamento procedente do setor privado chinês e dos simpatizantes de fora e do reforço proporcionado por novos manifestantes que chegam a capital, é difícil que o movimento se dissolva por si mesmo.” [67]

Depois de uma campanha de informação de duas semanas, durante a qual as autoridades não aplicaram a lei marcial, decidiram desocupar a Praça por meio do Exército e das forças de ordem. Em 2 de junho, enviaram soldados desarmados para fazer com que os estudantes marchassem. Não é de nenhum modo uma “provocação”, como disse a imprensa anticomunista. O envio de soldados sem armas corresponde perfeitamente com a fase de decadência do movimento e a vontade do Partido de acabar com as desordens sem violências, política praticada há seis semanas e absolutamente impensável em qualquer país imperialista. Neste 2 de junho, os soldados desarmados são atacados, golpeados e feitos prisioneiros por estudantes e elementos desclassificados.


[1] nota do tradutor espanhol: Exército Popular de Libertação desde junho de 1946.
[2] Beijing Information, 6 de março de 1986, p.21.
[3] nota do tradutor espanhol: Friedman é um economista estadunidense, figura principal da Escola de Chicago e Premio Nobel de Economia em 1976. Criador da ultraliberal teoria monetarista, que defende as forças do livre mercado frente a inversão pública. Entre suas obras está Capitalismo e Liberdade, de 1962.
[4] A China, fevereiro de 1989, p.12.
[5] China Atual, janeiro de 1989, p.19
[6] Problems of Communism, setembro-outubro de 1989, p.37.
[7] Orbis, verão de 1989, p.327-335.
[8] Beijing Information, 6 de março de 1989, documento VIII.
[9] Far Eastem Economie Review, 29 de maio de 1989, p.18.
[10] Business Week, 5 de junho de 1989, p.21-22.
[11] Business Week, 5 de junho de 1989, p.21-22.
[12] The Guardian, 10 de maio de 1989, por Cliff Du Rand
[13] Far Eastern Economia Review, 1 de junho de 1989, p.66.
[14] Le Printemps de Pékin, Gallimard, 1980, p.69-71. Le dégel, 9 de março de 1979.
[15] De papieren lente, Aula-paperback 64, Het Spectrum, 1981, p.96-97; 123; 128.
[16] Lawrence Macdonald - Jean Christophe Tournebise, Le Dragon el la Souris, Bourgeois, 1987, p.84.
[17] Ibidem, p.204-205; 229-230.
[18] nota do tradutor espanhol: movimento de protesto dirigido pelos estudantes de Pequim após a segunda guerra mundial. Os manifestantes que chegaram a Praça Tian An Men se queixavam que a China não firmara o Tratado de Versalhes.
[19] Beijing Information, 2 de novembro 1981, p.21.
[20] Lawrence Macdonald, op. cit, p.34.
[21] Beijing Information, 9 de janeiro de 1989, p.21-23.
[22] Circular do Comitê Central de 16 de maio de 1966.
[23] Beijing Information, 25 de julho de 1988, p.5.
[24] Lawrence Macdonald, op. cit., p.238.
[25] Ibidem, p.242.
[26] The China Quarterly, junho de 1988, p.182.
[27] The Mirror Monthly, abril de 1989, p.22-24, en Inside Mainland China, junho de 1989, p.7.
[28] Problems of Communism, setembre-outubro de 1989, p.19.
[29] Wide Angle Monthly, 16 de abril, p.62-65, en Inside Mainland China, junho de 1989, p.14.
[30] International Herald Tribune, 2 de novembro de 1988.
[31] Le Monde, 8 de setembro de 1989.
[32] Problems of Communism, setembro-outubro de 1989, p.19.
[33] Pai-hsing Semi-monthly, 16 maio de 1989, p.25 en Inside Mainland China, xullo de 1989, p.22; Problems of Communism, setembro-outubro de 1989, p.19.
[34] Problems os Communism, setembro-outubro de 1989, p.4.
[35] Problems of Communism, setembro-octubre de 1989, p.4-5.
[36] Petición contra a represión en China, Annemie Desmedts, Socialisme Sans Frontières.
[37] The Free China Journal, 8 de junho, 1989, p.2.
[38] Sinorama, Taipei, vol. 14, nc8, agosto de 1989, p.55.
[39] Libération, 17 de janeiro de 1989, p.5.
[40] Echos de la République de Chine, 21 de junho de 1989, p. 1.
[41] The Free China Journal, 22 de março de 1990, p.5; Echos de la République de Chine, Ibídem.
[42] Manifesto da FDC, París, 26 de setembro de 1989.
[43] The Free Journal, 10 de agosto de 1989.
[44] The Free Journal, 14 de agosto de 1989.
[45] Libération, 2 de outubro de 1989.
[46] Bulletin de Sinologie, Hong-Kong, fevereiro de 1990, traducción de Solidarité Estudiants Chinois, maio de 1990, L-L-N, p.5.
[47] The Nation, New York, 23 de abril de 1990, p.563-564.
[48] Libération, 2 de outubro de 1989.
[49] Problems of Communism, setembro-outubro de 1989, Chinese Democracy, p.27.
[50] Rood, 20 de junho de 89, p.7.
[51] The Free China Journal, 14 de maio de 1990.
[52] The Free China Journal, 5 de fevereiro de 1990.
[53] The Free China Journal, 11 de janeiro de 1990, p.2.
[54] The Free China Journal, 22 de janeiro de 1990, p.2.
[55] The Nation, ... , p.564.
[56] Bijlage Amnesty Nieuws, 6º ano, junho de 1990.
[57] Problems of communism, The Tiananmem massacre, p.6.
[58] ?
[59] Problems of communism, setembro-outubro de 1989, p.25.
[60] Problems of communism, setembro-outubro de 1989, Political sociology of the Beijing Upheaval, p.38.
[61] Ibídem, p.39.
[62] United Daily News, 18 de maio, Taiwán, en Inside Mainland China, junho de 1989, p.3.
[63] Carta aberta a Deng Xiaoping, Inside Mainland China, agosto de 1989, p.7.
[64] Inside Mainland China, agosto de 1989, p.7-8.
[65] Ming Pao, 22 de maio de 1989, en Inside Mainland China, junho de 1989, p.1.
[66] Joint Declaration, en Inside Mainland China, agosto de 1989, p.9.
[67] Problems of Communism, setembro-outubro de 1989, The Tian An Men, p.12.

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