Em resposta ao artigo - Stalinismo em debate: em resposta ao Ícaro e Lúcio Jr
Salvador, Bahia, Brasil
22 de janeiro de 2013
Senhores editores. Gostaria de demonstrar minha gratidão pelo espaço concedido. Fiquei verdadeiramente grato por terem postado minha Carta na integra no vosso portal e pela rapidez da resposta. Também gostaria de advertir sobre o fato de que caso pretendam continuar essa conversa após esta carta talvez minhas respostas passem a demorar um pouco mais e se tornem mais curtas. Já que a partir do dia 28 do corrente mês retomo minhas atividades universitárias. Mas decide aproveitar enquanto ainda tenho algum tempo livre, que costumo ocupar com meus estudos particulares sobre a história do socialismo para esclarecer alguns pontos levantados por vocês em sua resposta ao Lúcio e a mim.
Quando afirmo que pode-se dizer que a palavra stalinismo foi inventada por Trotsky para detratar Stalin isso não tem por base qualquer abstração. Trotsky estava interessado em fazer parecer que Stalin era um usurpado, que não dispunha dos atributos necessários para substituir Lenin na direção do Partido Comunista, que o havia traído e, que ele era, por outro lado, o mais capacitado para isso e o legitimo herdeiro do líder morto. Trotsky usava o termo stalinismo para tentar criar uma fenda entre o Partido Comunista de Stalin e o Partido Comunista de Lenin, que ele denomina como bolchevismo. Escreve um texto chamado stalinismo e bolchevismo onde apresenta essa ideia.
Estou plenamente ciente que a tendência a associar um líder ou autor à determinada corrente política é comum. Porém, a questão é saber se esse autor, ou líder especificamente deva ter a seu nome anexado o “ismo”. Para deixar claro, você afirma o “stalinismo não é uma pecha ou qualquer outra coisa, é apenas a referência usual de associar o autor a uma escola de pensamento que ele defende, o que essencialmente significa aqui, em termos teóricos, a teoria do ‘socialismo de um país só’.” O problema é exatamente que é Lênin e não Stalin quem inaugura essa teoria no campo do marxismo. Devemos chama-la, portanto, de Leninismo. Mas a frente, já nas tantas do texto, vocês afirmam que isso é absurdo. Mas deixemos a questão de provar se Lênin de fato foi o inaugurador dessa teoria mais para frente.
Quanto ao legado de Stalin, a referência a industrialização foi escolhida mais pelo fato de outras correntes políticas serem capazes de reconhecer um caráter positivo nesse feito do que em outro motivo. Mas também citei a vitória do exército vermelho sobre a Alemanha nazista durante a Grande Guerra Patriótica (1941-1945). Tudo que quis dizer é que, no geral, se não se pode denominar nenhuma corrente política especifica como stalinismo, essa denominação só poderia estar ligada ao reconhecimento de qualquer mérito do período de Stalin. Então, seria isso o stalinismo?
E mais. É completamente falso afirmar que o reconhecimento da industrialização de Stalin como um legado positivo do seu regime seja o mesmo de reconhecer o caráter positivo do capitalismo. Ou, para ser mais justo. É bom lembra que Marx reconhece o papel positivo que a burguesia joga como classe revolucionária num primeiro momento de sua acessão. É bom lembrar que no seu programa de dez pontos no final da sessão dois do manifesto comunista Marx apresenta no ponto sete e oito a ideia da industrialização. Também para ele o governo revolucionário deveria estar comprometido com o desenvolvimento das forças produtivas inclusive organizando exércitos industriais de trabalho.
É necessário lembra também que a revolução industrial de Stalin foi um processo titânico sem precedentes. Nunca, nenhuma industrialização se processou de maneira tão rápida e tão autárquica como ela. Sem essa industrialização muito dificilmente a URSS teria suportado o peso da ocupação alemã e derrotado a Alemanha nazista.
No ponto em que trata de Marx e a Rússia acho que houve uma grave desatenção da parte de vocês ao analisar meu texto. Vejamos. Vocês afirmam “(...) a concentração industrial não é uma medida de ‘grau de desenvolvimento das força produtivas’, em um capitalismo retardatário representa, pelo contrário, o seu atraso, já que não passou por uma fase onde houve grande pluralidade de pequenas indústrias, etc, etc.”. Mas devo lembrar que não estamos em contradição quando ao atraso da Rússia autocrática de 1917. O que afirmei foi “(...) existe uma base sólida para o socialismo marxista na Rússia”. E por que afirmo isso? Porque o aparecimento da indústria e sua rápida concentração gera a formação do proletariado moderno. A concentração industrial na Rússia, em alto nível, da vazão a criação do proletariado moderno, que é, segundo Marx, a força social motriz da revolução socialista.
Outra passagem que me leva a crer que houve uma seria desatenção é o seguinte; “(...) Marx declara como postulado científico de que a revolução comunista é resultado das contradições entre as forças produtivas modernas e as relações de produção capitalistas, se você retirar esse postulado de Marx, você está o acusando de socialista utópico.” E disso conclui “Ícaro afirma que tratar a revolução como fruto das contradições entre as forças produtivas e as relações de produção, apesar de ser uma afirmação de Marx, é uma “análie economicista”, e que esta foi a causadora da degenerescência dos Partidos Socialistas da Segunda Internacional.” Na minha Carta Aberta aos senhores tudo que afirmo é; “(...) afirma-se que o bolchevismo é voluntarista. Que acredita que a revolução é obra de uns poucos escolhidos. E que está em oposição à formulação de Marx de que a revolução é fruto das contradições entre as forças produtivas e as relações de produção. Tal analise economicista foi à motivação da degenerescência dos Partidos Socialistas da Segunda Internacional. A Revolução só pode ter sucesso porque existe essa contradição, mas ela não se resolver por si mesmo, sem o papel das classes sociais, das organizações políticas e dos indivíduos.” Como veem a desatenção fez com que vocês entendessem mal as minhas palavras. Primeiro apresentei a formulação que vocês fizeram segundo a qual existe uma oposição entre o bolchevismo e a teoria de Marx das forças produtivas e em seguida expliquei que a teoria de Marx de tal forma interpretada é o motivo da degenerescência da Segunda Internacional. Logo em seguida afirmo “A Revolução só pode ter sucesso porque existe essa contradição, mas ela não se resolve por si mesmo, sem o papel das classes sociais, organizações políticas e dos indivíduos.” Bem entendido, a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção é o que possibilita as rupturas sociais que engendram a transformação das relações de produção, mas essas rupturas e transformações são tarefas que competem aos homens, partidos e classes sociais executarem. A negação desse papel que compete ao agente político em todas as suas instancias (coletivas e individuais) é a base do economicismo não a teoria das forças produtivas de Marx.
Num dos prefácios de Engels a edições posteriores do manifesto comunista – que vocês acusam Lênin de ignorar – ele relembra a imensa importância política que Marx atribuía ao papel da consciência política e por isso mesmo ao desenvolvimento intelectual dos trabalhadores através de suas experiências políticas. Ele não era, portanto, de maneira nenhuma um espontaneista.
Quanto a ditadura democrática revolucionária dos operários e camponeses. Primeiro é bom salientar que se os bolcheviques ainda se baseavam no lugar comum da socialdemocracia internacional da impossibilidade do socialismo na Rússia antes da vitória da revolução europeia, Lenin com a teoria citada já lançara as bases de sua superação. A ideia da impossibilidade do socialismo na Rússia atrasada, que é o ponto chave da teoria da revolução permanente tem a seguinte lógica. Ela pressupõe que a revolução socialista contrapõe o proletariado à totalidade da nação. E que, portanto o proletariado (entendido como operário industrial) só pode se lançar a revolução socialista quando for a maioria absoluta da população. Dai decorreria, no mínimo, que o marxismo não é a teoria da revolução. Já que está explicito em Marx e em sua lei da composição orgânica do capital que as economias capitalistas mais desenvolvidas tendem a reduzir a sua força de trabalho industrial em proveito da máquina. A teoria da revolução permanente, também se baseia na ideia de que os camponeses representam sempre um bloco contrarrevolucionário que se opõe ao proletariado. A teoria leninista da ditadura democrática revolucionária dos operários e camponeses (que gosto de chamar de teoria da revolução ininterrupta) é nesse sentido uma inovação no corpo teórico do marxismo vigente na Segunda Internacional, mas não em absoluto no marxismo.
“(...) explique o que poderia ser um ‘governo de ditadura democrática revolucionária dos operários e camponeses’?” Atendendo ao seu pedido explicarei o que é esse tal governo. O que achei muito interessante foi sua primeira objeção à teoria leninista da revolução. “(...) como pode haver uma ditadura se é uma democracia?” Referindo-se aos socialistas do tipo da Segunda Internacional Lenin afirma em seu O Estado e a Revolução; “Para estes senhores, a ‘ditadura’ do proletariado ‘contradiz’ a democracia!” Durante todo o texto segue explicando a maquinação teórica através do qual esses socialistas conseguem essa façanha. No seu A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky escrito no ano seguinte faz o mesmo percurso para rebater o novo adepto da oposição entre “ditadura” e “democracia”.
O procedimento é simples. Os socialistas da Segunda Internacional simplesmente contrapõe o conceito de democracia em geral ao de ditadura em geral e chegam a essa conclusão original. O que eles se abstêm de fazer é a pergunta “que classe exerce a ditadura?” O conceito de ditadura do proletariado de Marx, por exemplo. É obviamente muito mais democrático do que a democracia burguesa, que é a democracia de uns poucos e a ditadura do Capital para os trabalhadores. Dessa forma a ditadura pode ser democrática e qualquer democracia pode ser ditatorial. Se alguém pode ser acusado de introduzir uma confusão na questão da relação entre ditadura e democracia não será Lenin. A palavra ditadura na formula decorre de uma conclusão do próprio Marx de que o governo nascido de uma revolução só pode ser uma ditadura e uma ditadura enérgica. E a palavra democrática faz aqui muito mais referência as tarefas burguesas que ele tem de cumprir (convocação da constituinte, reforma agrária) do que a forma de governo.
Logo em seguida você se questiona “(...)como o governo poder ser operário (revolucionário) se é unido aos camponeses (...)” ? Segundo diz, Marx afirma que os camponeses são em sua maioria reacionários. O que Marx afirma é que os camponeses foram à base do golpe de Estado na França no inicio dos anos 1850. E devido a sua condição de isolamento e o atraso em que vivem não podem propor uma alternativa de poder, devendo apoiar esse ou aquele poder existente e que se originam no capitalismo em grandes centros urbanos. Afirma também que o motivo maior da derrota da revolução na França daquele período foi o massacre do proletariado parisiense entre junho e julho de 1848 e as hesitações políticas da pequena burguesia social-democrática das cidades. Numa leitura mais atenta de 18 de Brumário fica claro que os resultados daquela convulsão social seriam bem outras se o proletariado tivesse conseguido conquistar os camponeses e isolar Luís Bonaparte.
Além disso, é o próprio Marx quem apresenta pela primeira vez essa ideia. Em uma carta a Engels, datada de 14 de abril de 1856, quatro anos após escrever seu 18 de Brumário, Marx indica que; “A coisa toda na Alemanha dependerá da possibilidade a apoiar a revolução proletária com uma espécie de segunda edição da guerra camponesa. Então a coisa será óptima.”.
Como tudo que ficou tido é claro que a teoria de um governo de ditadura democrática revolucionária dos operários e camponeses, a teoria leninista da revolução, apoia-se no próprio marxismo e não está em contradição com este.
Ao tratar com o problema da insurreição você se questiona como é possível tratar a insurreição como um arte, tal como afirma Lenin. E dá a entender que Lenin não fornece nenhum indicativo para isso. Ao afirmar que a insurreição deve ser tratada como uma arte Lenin não diz nenhuma novidade. Ele simplesmente diz que a insurreição é uma operação militar, ainda que não convencional, e, como tal, é uma arte. A arte militar consiste tão somente no calculo de forças em combate, na boa disposição dos efetivos em luta, no seu posicionamento em pontos estratégicos. Vide que no inicio do texto Lenin lista uma serie de ponto que compõe a arte insurrecional com base na concepção política do marxismo; “Para ter êxito, a insurreição deve apoiar-se não numa conjura, não num partido, mas na classe avançada. Isto em primeiro lugar. A insurreição deve apoiar-se no ascenso revolucionário do povo. Isto em segundo lugar. A insurreição deve apoiar-se naquele ponto de viragem na história da revolução em crescimento em que a atividade das fileiras avançadas do povo seja maior, em que sejam mais fortes as vacilações nas fileiras dos inimigos e nas fileiras dos amigos fracos, hesitantes e indecisos da revolução.” Logo em seguida faz uma comparação entre a situação de 3-4 de julho de 1917 e a de setembro do mesmo anos, tendo por base esses três pontos. Essa é a arte da insurreição.
Quanto ao ponto relativo a interpretação de Marx da experiência da Comuna de Paris e a sua suposta deturpação por Lenin vejamos. Você acredita que a restrição que Lenin atribui às palavras de Marx; “torna extensiva a sua conclusão apenas ao continente” extrapola as palavras de Marx. Mas veja. No prefácio a edição inglesa de 1886 de O Capital, Engels afirma “(...) em tal altura (do aparecimento da revolução social na Europa), terá de se ouvir a voz de um homem (Marx) cuja teoria toda é o resultado do estudo, durante uma vida inteira, da história económica e da situação da Inglaterra, e a quem esse estudo levou à conclusão de que, pelo menos na Europa, a Inglaterra é o único país onde a inevitável revolução social pode ser efetuada inteiramente por meios pacíficos e legais.” Pelo vistos não é somente Lenin quem vê nas palavras de Marx uma restrição ao continente. Pelo contrário, seu companheiro intelectual e de lutas da vida inteira também o vê. Mas adiante você pretende fazer crer que Lenin tenha criado essa falsa restrição para manipular as palavras de Marx e afirmar que a revolução popular podia ser realizada sem a destruição da máquina do Estado. Vejamos o que de fato Lenin deduz dessa restrição; “Em 1917, na época da primeira guerra imperialista, essa restrição de Marx cai: a Inglaterra e os Estados Unidos, os maiores e últimos representantes no mundo da "liberdade" anglo-saxônica, sem militarismo e sem burocracia, se atolam completamente no pântano infecto e sangrento das instituições burocráticas e militares à européia, onde tudo é oprimido, tudo é esmagado. Atualmente, tanto na Inglaterra como na América, ‘a condição prévia para uma revolução verdadeiramente popular’ é igualmente a desmontagem, a destruição da ‘máquina do Estado’ (levada, de 1914 a 1917, a uma perfeição européia, imperialista).” E essas palavras são de quatro parágrafos depois da citação de Marx.
Logo em seguida você comete mais um engano com a obra de Lenin, afirmando que ele “problematiza o termo ‘popular’ apenas para atingir Plekanov o acusando de não saber diferenciar uma revolução burguesa de uma revolução proletária (...)” Mas o que Lenin faz é exatamente o contrário condena Plekhanov e seus pares por não enxergarem nada além dessa antítese e ainda assim de uma forma morta. “(...) os adeptos de Plekhanov na Rússia, assim como os mencheviques, esses discípulos de Struve, desejosos de passar por marxistas, poderiam tomá-la por um ‘engano’. Reduziram o marxismo a uma doutrina tão mesquinhamente liberal que, afora a antítese - revolução burguesa e revolução proletária - nada existe para eles, e, ainda assim, só concebem essa antítese como uma coisa já morta.” São as palavras do próprio Lenin. “(...) segundo essa tese (burgues ou popular), ou a revolução francesa é impossível, porque popular e burguesa ela com certeza foi.” Você afirma no mesmo paragrafo. Essa impossibilidade da revolução francesa só existiria, talvez, de acordo com as suas teses de revolução. “Em compensação, a revolução burguesa na Rússia em 1905-1907, sem ter tido os ‘brilhantes’ resultados da portuguesa e da turca, foi, sem contestação, uma revolução ‘verdadeiramente popular’”. São as palavras de Lenin no mesmo texto, que de maneira nenhuma vê incompatibilidade entre a revolução “burguesa” e “popular”. Segundo ele a revolução russa era, em 1905, burguesa, mas, o seu resultado deveria ser, como já vimos, um governo de ditadura democrática revolucionária dos operários e camponeses (ou, um governo popular). Como fica claro você fez uma enorme confusão na obra de Lenin.
Encerrado esse tópico você se questiona como a Comuna, que realizou a quebra do Estado, poderia criar outro Estado. Bem, você diz que encerra a leitura do texto de Lenin com o titulo do subitem 2 do capitulo III. Deveria ter continuado a leitura que é muito esclarecedora. Nesse item Lenin nos traz também uma citação direta de Marx; “A Comuna foi a forma determinada de república que devia eliminar não apenas a forma monárquica da dominação de classe mas a própria dominação de classe (...)”. Como se vê Marx ainda compreende a Comuna como Estado e o trata em termos de forma de Estado, “república”. Um Estado de um tipo novo e especial, pois a realização de sua tarefa definitiva leva ao desaparecimento do Estado. Disso Lenin conclui que o Estado Comuna é um novo tipo de Estado, que não é mais Estado no sentido próprio do termo.
Com base em todos esses equívocos e atrapalhações com a obra de Lenin você continua a afirmar que o bolchevismo de alguma maneira contradiz o marxismo. Apela ainda para a teoria das experiências socialistas do século XX como acumulação primitiva do capital. Acumulação que se deu em países já capitalistas. Como explicar por essa lógica a adesão da Checoslováquia, país já industrial antes da adesão ao bloco soviético, também eles realizaram sua acumulação primitiva. Fora isso, ainda resta o inconveniente do planejamento central, do fim da acumulação privada, entre outros elementos que não se coadunam com essa tese. A própria ideia de que a crítica que Engels direciona a Lassalle possa ser transpassada dessa forma tão abrupta as experiências do socialismo real ignora que Lassalle fora adepto da emancipação dos trabalhadores alemães pelo Estado prussiano enquanto a experiências do socialismo real nasce da ruptura com esse.
Como já me estendi demais aqui peço que aguarde. Escreverei mais uma vez. Respondendo a outros questionamentos presentes no texto.
Atenciosamente
Ícaro Leal Alves
Ícaro Leal Alves
Fonte - A República Socialista
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