segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

CARTA ABERTA AOS EDITORES DE O COMMUNARD




Salvador, Bahia, Brasil

21 de janeiro de 2013

Carta aos editores do portal O Communard

Senhores, respeitabilíssimos editores do Portal O Communard. Em respeito aos senhores venho comunicar através de esta minhas opiniões acerca de uma publicação da sua página: “Carta Aberta: Crítica ao Stalinismo do Portal Vermelho”. 
O texto é velho. Data de já uns quatro anos. Mas só hoje tomei conhecimento dele. Creio que o tema é sempre atual, portanto não haverá problemas com o atraso da minha carta. 
O primeiro problema do mencionado texto é a vinculação dos pecedobistas com o stalinismo. Primeiro; o que é o stalinismo? Penso que nem mesmo o autor do texto poderia nos responder isso. Já que ele não faz claramente. O próprio Stalin se recusava a admitir que existisse uma doutrina política que pudesse ser classificada como stalinismo, e, ele mesmo se considerava um marxista-leninista. O termo stalinismo é muito mais utilizado por seus detratores do que por seus seguidores. Pode-se dizer que ela é uma palavra inventada por Trotsky, que tentava desesperadamente desvincular Stalin do legado bolchevique e apresenta-se, obviamente que sem sucesso, pelo menos dentro da União Soviética, como herdeiro de Lenin e do bolchevismo. 

Dessa maneira o stalinismo só pode ser entendido como referências elogiosas, ou, a admissão de algo positivo no legado político de Stalin. Assim sendo, os historiadores ou políticos que, assim como, os nacionalistas russos, por exemplo, vissem algo de valoroso no esforço industrializante de Stalin nos anos 1930, ou, em sua vitória sobre as tropas nazifascistas entre 1941-1945 seriam stalinistas? 
Mesmo se assim o fosse ainda restaria o problema de que, em 1992, os pecedobistas, alegadamente stalinistas, se desvencilharam da imagem de Stalin em resolução congressual. 
Mas a frente afirma-se que o marxismo não teria ligação com o bolchevismo. Porque Marx apostaria unicamente numa vitória de uma revolução anti-czarista e democrática não Rússia, mas não numa revolução socialista, que só poderia vir do triunfo de uma revolução na Europa. Onde está o materialismo histórico dialético nisso tudo? 
Marx morreu em 1883. Parara de escrever pelo menos dois anos antes, após a morte de sua mulher. Portanto seus escritos cobrem até o ano de 1881. Acontece que entre 1891-1901 a Rússia passa por um rápido surto industrializante, que apesar de incompleto, pois barrado pelas estruturas latifundiárias feudais produz uma indústria concentrada e um poderoso proletariado industrial. Entre 1907-1913 verifica-se novo surto industrializante e a Rússia passa a compor as cinco nações mais ricas do mundo e possui a indústria mais concentrada do mundo. O nível de concentração industrial da Rússia nesse momento é maior do que o da Alemanha e o dos Estados Unidos. Portanto existe uma base solida para o socialismo marxista na Rússia.
Além disso, não é verdade que o programa dos bolcheviques fosse contrário a ideia de uma edificação do socialismo na Rússia sem a vitória da revolução europeia. Em 1905, Lenin escreve Duas Táticas da Socialdemocracia na Revolução Democrática. Onde afirma que o triunfo da revolução democrática na Rússia era possível com uma aliança entre o proletariado dirigente e os camponeses dirigidos por esses. Que essa revolução deveria conquistar a república e por fim ao sistema de semi-servidão na agricultura e que conquistado isso instituir-se-ia um governo de ditadura democrática revolucionária dos operários e camponeses que deveria levar gradualmente ao socialismo a medida que impulsiona-se a revolução do proletariado na Europa. Em 1915, em um texto chamado Sobre a Palavra de Ordem dos Estados Unidos da Europa, dando desenvolvimento a essa ideia e com base na sua teoria do desenvolvimento desigual do capitalismo, chega à conclusão que é possível e mesmo inevitável que o socialismo triunfe primeiro em uns poucos países e depois em todos os países do mundo, passando por um período de coexistência entre dois sistemas sociais, o capitalista e o socialista. 
Em seguida, abrindo uma serie de parágrafos que passam a ser numerados, o autor prossegue afirmando que a teoria de Lenin do partido de vanguarda é blanquista e não tem relação com a teoria de Marx da autoemancipação do proletariado. Acontece que essa crítica fora lançada contra Lenin muito antes pelos mencheviques. E ele os respondera em um documento chamado Marxismo e Insurreição, datado de 1917, onde fundamenta a teoria marxista da insurreição com base nos próprios escritos de Marx e Engels e refuta o blanquismo, (conspirativo e que nega o papel da luta de classes) assim como, o reformismo, que apela a transição gradual e lenta negando assim a dialética objetiva do desenvolvimento do luta de classes no capitalismo que leva a insurreição e a ditadura do proletariado. 
Quanto ao anti-estatismo de Marx referido no segundo ponto é bom lembra que ninguém mais que Lenin destacou esse elemento. No texto se afirma que Lenin gostava de citar e fazer referências elogiosas ao manifesto devido ao caráter estatista desse documento redigido por Marx e Engels. Mas que teria esquecido a revisão feita pelos autores a luz da experiência da Revolução Francesa de 1848 e da Comuna de Paris de 1871. Isso é falso. Entre Agosto e Setembro de 1917 Lenin escreve seu famoso livro O Estado e a Revolução, onde informa seus leitores de como a teoria marxista embrionária na mente de seus fundadores evolui de um reformismo pequeno-burguês presente no manifesto, que pretendia tomar o controle do aparelho estatal parlamentar e polo a funcionar ao revolucionarismo proletário que destrói a maquina do Estado burguês, em A Guerra Civil em França. 
Um paragrafo depois, no terceiro ponto, afirma-se que o bolchevismo é voluntarista. Que acredita que a revolução é obra de uns poucos escolhidos. E que está em oposição à formulação de Marx de que a revolução é fruto das contradições entre as forças produtivas e as relações de produção. Tal analise economicista foi à motivação da degenerescência dos Partidos Socialistas da Segunda Internacional. A Revolução só pode ter sucesso porque existe essa contradição, mas ela não se resolver por si mesmo, sem o papel das classes sociais, das organizações políticas e dos indivíduos. A teoria que aposta tudo no desenvolvimento espontâneo dessa contradição é o espontaneismo. Lenin demonstra em seu livro Que Fazer o caráter burguês dessa doutrina, que nega o papel do elemento consciente portador da doutrina revolucionária do marxismo e que aposta suas fichas no desenvolvimento das relações de produção ou na luta sindical espontânea de resistência dos operários que não rompe com o Capital, que não propõe a derrubada do Poder de Estado e que por isso mesmo não é revolucionário. 
Em seguida, no quarto ponto, se afirma que a analise marxista contemporânea demonstram que as experiências socialistas do Século XX não foram outra coisa que revoluções capitalistas, que realizaram a acumulação primitiva do capital e a passagem do feudalismo ao capitalismo. Essa analise marxista contemporânea, pelo menos no que consta a União Soviética está furada. Porque essa acumulação primitiva e essa passagem ao capitalismo já havia sido realizada desde o final do Século XIX, com o fim da servidão (1861), dissolução gradual dos comunidades agrícolas, capitalização da relações rurais, migração da mão de obra para as cidades, aparecimento da indústria e sua rápida concentração e formação do proletariado moderno. 
No ponto cinco de sua critica afirma-se que o elemento da estatização econômica não torna essas economias socialistas, pois existe capital público e privado em todas as economias capitalistas. Porém, a quantidade transforma-se em qualidade. E ao fim de vinte anos de edificação econômica o capital público dominava toda economia soviética, a direção econômica era feito de modo planejado e a possibilidade de acumulação privada havia desaparecido. 
Mas abaixo (ponto seis) existe algo descabido. Afirma-se que Marx apresenta no manifesto várias concepções de socialismo, o que supostamente faria dele um defensor do pluralismo político. Acontece que todas essas apresentações são seguidas de criticas violentas contra o “socialismo burguês”, “feudal”, “clerical”, “verdadeiro socialismo alemão”, todos tipos por piadas políticas por Marx e por Engels.
No ponto sete afirma-se que a socialdemocracia teria muito mais a ver com o marxismo que o bolchevismo. Com base unicamente no fato de Marx ter pertencido as fileiras do Partido Socialdemocrata Alemão. Acontece que a socialdemocracia do tempo de Marx era bem outra e que mesmo com essa ele teve atritos que o levaram ao quase desligamento. Mesmo textos de Engels, como seu prefácio a Guerra Civil em França de Marx, foram adulterados pelos editores ligados a socialdemocracia alemã. Esquece-se ainda que o bolchevismo nasce da socialdemocracia internacional ressuscitando nesse o que havia de revolucionário no marxismo (a oposição ao estatismo burguês). E que, quando toda a socialdemocracia internacional e principalmente a alemã se rende ao imperialismo na primeira grande guerra os bolcheviques são quase os únicos a manter a bandeira internacionalista erguida, afirmando que a revolução proletária não se subordinava aos interesses nacionais da burguesia e não temia o derrotismo, mantendo a luta contra o Czar. 
No ponto nove (pois o ponto oito não existe) afirma-se que os bolcheviques usurparam os sovietes. Se alguém poderia levantar contra Lenin e os bolcheviques a acusação de roupo dos Sovietes esse alguém era o autocrata Nicolau II, fundador dos Sovietes em 1905. Esses surgem por iniciativa do Czar que pretendia deter a sublevação iminente pela via da negociação que deveria ser realizada por intermédio dos Sovietes. Os dois argumentos utilizados para afirmar que os bolcheviques usurparam o Sovietes são falsos. Primeiro; a dissolução dos comitês de fabricas e sua substituição pelo sufrágio universal. O desprezo pela objetividade dos fatos fica evidente. Primeiro Comitês de Fábrica e Sovietes são duas instituições completamente diferentes. A primeira encarregada da administração da autogestão operária das fábricas é dissolvida devido a necessidade de importo uma regulação econômica maior e deter o desvio de recursos econômicos realizado por esses comitês e a queda da produção iniciada logo após a tomada do Poder pelos bolcheviques. A segunda é um órgão político dos operários e camponeses que não é dissolvido nem submetida a sufrágio universal que só passa a existir na União Soviética, em 1936, com Stalin e não com Lenin. Depois disso afirma-se que a estatização da guarda vermelha como exército vermelho é o segundo ato dessa usurpação. Errado. A transformação da guarda vermelhe em exército vermelho é uma exigência técnica realizada durante a guerra civil para solucionar o problema da ineficiência das milícias urbanas de lutar em campo aberto contra forças muito numerosas. Após a guerra segue-se uma reorganização do exercito vermelho que torna três quartos dos seus efetivos em milícias locais ao modelo das guardas vermelhas de 1917. E só é revertida entre 1936-1938 devido à eminência de uma ocupação alemã. 
No ponto dez e ultimo o texto questiona se é possível a existência de salario, moeda e mercado no socialismo. Afirma que isso é uma construção de Stalin e de sua teoria do (sic) nacional-socialismo (socialismo em um só país). Afirma-se também que essa não era a teoria de Marx. Acontece que nem o nacional-socialismo, nem o socialismo em um só país são teorias criadas por Stalin. A primeira é o apelido que Hitler deu a sua teoria de uma sociedade fascista e racialmente pura. E a segunda como já vimos à cima é uma tese de Lenin. Marx, por sua vez, trata – em um texto que ficou conhecido como Crítica ao Programa de Gotha, onde apresenta sua teoria da ditadura revolucionária do proletariado – do problema da distribuição da riqueza sobre o socialismo. Afirma que era necessário introduzir no socialismo não o principio comunista de “a cada um segundo sua necessidade de cada um segundo as suas capacidades”, mas sim o principio de “a cada um segundo o seu trabalho”. Sendo por tanto necessária certa desigualdade na distribuição da riqueza que só poderia ser conseguida a base da remuneração salarial. Ou seja, existem sim salário e moeda no socialismo e isso é parte da teoria marxista. Quanto ao mercado Stalin não teorizava sobre socialismo de mercado. 
Para concluir. No finalzinho do texto aparece um questionamento interessante. Questiona-se se hoje após a abertura dos arquivos secretos da ex-URSS ainda é possível manter uma posição “stalinista” sem se tornar um traidor. Bem, em um dos comentários ao texto feito pelo professor Lúcio Júnior ele indica o livro do norte-americano Grover Furr. Furr é um historiador recente e afirmou em uma entrevista que das 61 acusações de Khrushchev contra Stalin no seu relatório “informe secreto” 60 eram comprovadamente falsas e a única restante não podia ser provada. John Arch Getty é outro historiador norte-americano que teve a possibilidade de consultar arquivos antes classificados. Ele também é da opinião de que a construção da história soviética do período de Stalin durante a guerra fria é arbitraria. Segundo ele a história soviética do período de Stalin não precisa ser corrigida, sua construção historiográfica deve recomeçar desde o zero. Eu, como estudar de história, que sou, dento a pensar o mesmo. 
No mais, deixo meus calorosos abraços e espero que essa carta tenha alguma utilidade, que sirva de alguma maneira a reflexão dos editores.

Atenciosamente 
Ícaro leal Alves

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