Alguns Problemas do Paradigma Trotskista
Comentário ao artigo de Bernardo Cerdeira
Por Ícaro Leal Alves
Alguns comentários que elaborei sobre o artigo do jornalista
trotskista Bernardo Cerdeira <>.
Nesse
trabalho Cerdeira desenvolve a velha leitura trotskista da história soviética
que pressupõe a ruptura entre o velho bolchevismo de Lênin, revolucionário e
democrático, e o <> do período de Josef Stálin, que
seria por sua vez contrarrevolucionário e totalitário.
Aqui,
aponto alguns problemas dessa linha de raciocínio e proponho alguns elementos
de reflexão.
A mitologia do “período de Lênin”
O primeiro problema que identifiquei na tentativa de
Cerdeira em desvincular o leninismo do stalinismo, ou na sua expressão, o
bolchevismo do stalinismo, é a leitura que faz do período de Lênin, que ele
identifica como bolchevismo. Para Cerdeira, Stálin teria introduzido um regime
burocrático-totalitário, que identifica como stalinismo em oposição ao regime
instituído por Lênin e que supostamente se diferenciaria por uma maior
liberdade e uma maior democracia para os trabalhadores. Não sei se essa afirmação
pode ser considerada como 100% (cem por cento) condizente com a realidade.
Vejamos
como Cerdeira caracteriza o período de Lênin:
Mesmo nos momentos de guerra civil, com todas as óbvias
limitações que essa luta implacável impunha, o regime bolchevique de 1917 a
1923 foi extremamente democrático para a classe operária e os setores populares
a ela aliados. Apesar de atacado por todos os lados, pelo exército branco e
pelas tropas de 14 nações comandadas pelos maiores países imperialistas; apesar
de sabotado internamente pelos partidos oportunistas, como os
socialistas-revolucionários e mencheviques; apesar de tudo isso, foi o regime
mais democrático para a classe operária e para o povo que a história já
conheceu.[1]
Como o autor justifica essa tomada de posição sobre o
período de Lênin?
porque era baseado em um organismo que era ao mesmo tempo
órgão de mobilização e base do Estado operário: os conselhos de representantes
dos operários e camponeses (soviets). Segundo, porque o regime soviético
garantiu amplas liberdades para a classe operária e o povo, assegurando o
direito das organizações dos trabalhadores, sindicatos, comitês de fábrica,
etc.[2]
Há um problema que Cerdeira parece não captar nisso tudo. O
fato de tais garantias democráticas do regime soviético só existirem enquanto
potencialidades. De fato o regime soviético traz em suas instituições muito
mais garantias de realização de uma efetiva democracia para os trabalhadores do
que o regime parlamentar, mas, no período da guerra civil e imediatamente após
ele tais garantias só existiram enquanto virtualidades, ou, mais justamente,
potencialidades. Algo intrínseco as formas de organização soviéticas, mas que
estavam objetivamente inibidos pela guerra civil.
Observemos
as coisas através de um exemplo prático. Em um artigo publicado no nº 89 do
Pravda, em 9 de Maio de 1918, portanto um pouco antes do inicio da guerra,
Lênin afirma:
Também aqui é preciso fitar a verdade de frente: a
implacabilidade, indispensável para o êxito do socialismo, continua a ser
insuficiente entre nós, e insuficiente não porque falte decisão. Temos decisão
suficiente. Não sabemos é apanhar suficientemente depressa uma quantidade
suficiente de especuladores, de ladrões e capitalistas, de infractores das
medidas soviéticas. Porque este «saber» só se cria com a organização do registo
e do controlo. Em segundo lugar, não existe firmeza suficiente nos tribunais, que
em vez do fuzilamento dos concussionários, os condenam a meio ano de prisão.
Ambos estes nossos defeitos têm a mesma raiz social: a influência do elemento
pequeno-burguês, a sua frouxidão (LENIN, 1980: 606).[3]
A essa altura Lênin referia-se somente a repressão promovida
contra os capitalistas que fugiram as medidas de capitalismo de Estado do Poder
Soviético e ainda reivindicava a “combinação dos meios de repressão implacável
contra os capitalistas incultos (...) com os meios do compromisso com os
capitalistas cultos” (LENIN, obra citada: 606)[4]. Entendendo-se
capitalistas cultos aqueles que aceitavam sem resistências as medidas do
Estado. Porém a situação da guerra civil mudaria esse quadro de relativa
frouxidão das medidas de repressão.
É
bem conhecido o fato de que após o inicio da guerra civil russa e da
intervenção militar estrangeira os bolcheviques proíbem o comércio privado dos
cereais, instituindo um sistema de cotização do trigo produzido pelos
camponeses e de distribuição de rações aos operários. Um dos pilares dessa
politica de comunismo de guerra é a violenta repressão a todo comércio privado
de cereais, entendido como uma prática capitalista e pequeno-burguesa.
A
forma como os comunistas devem desenvolver a repressão à classe capitalista nos
períodos de guerra e de perigo ao Poder Soviético já é indicada por Lênin meses
antes em decreto publicado no nº 32 do Pravda, em 22 de Fevereiro de 1918,
intitulado, A Pátria Socialista Está em Perigo, onde afirma:
Os operários e camponeses de Petrogrado, Kíev e de todas as
cidades, lugares, povoações e aldeias ao longo da linha da nova frente devem
mobilizar batalhões para cavar trincheiras sob a direcção de especialistas
militares. Nestes batalhões devem ser incluídos todos os membros da classe
burguesa aptos para o trabalho, homens e mulheres, sob a vigilância dos guardas
vermelhos; fuzilar os que resistam (LENIN, 1980: 479).[5]
Ora, é a situação de pátria em perigo que vai predominar
durante todos os anos da guerra civil. E mesmo posteriormente mantem-se
conflitos armados entre os soviéticos e os japoneses na cidade de Vladvostoki e
mesmo distúrbios militares internos como a sublevação de Kornstrandt. A crise
de fome de 1921-1922 é também um elemento de enorme instabilidade política e
social.
Não
pretendemos aqui condenar os bolcheviques, muito menos atribuir uma
culpabilidade pessoal a Lênin pela crueldade repressora dos primeiros anos do
regime soviético. Estamos em total acordo com Cerdeira sobre a necessidade de
tais políticas autoritárias para defender o regime soviético e a revolução
socialista do terror e do autoritarismo Branco, que é por si muito mais cruel e
tem por alvo exclusivo a classe trabalhadora e por objetivo a defesa dos
interesses dos patrões capitalistas.
A
questão é que a situação particular da guerra civil russa combinada com a
intervenção estrangeira, e até a crise posterior inflaciona o alcance das
medidas repressivas até que elas recaem sobre a classe operária. Nesse ponto a
proibição do comércio privado de cereais é sintomática. Dados fornecidos pelo
próprio Lênin indicam isso. Num artigo publicado no nº 250 do Pravda, em 7 de
Novembro de 1919, ele nos fornece dados sobre o aprovisionamento de viveres
agrícolas nas regiões urbanas. Dos 714,7 milhões de puds de cereais a
disposição da população soviética somente 53 milhões é fornecido pelo Estado,
enquanto 63,4 milhões é fornecido pelos traficantes (LENIN, 1980: 205)[6]. Ora, sendo
uma medida que assegura o abastecimento de viveres alimentícios ao Exército
Vermelho e, portanto, ajuda a classe operária e os camponeses a livra-se da
restauração e do terror Brancos a política bolchevique de cereais também
reprime pelo terror um setor da economia que é responsável pela maior parte do
consumo das massas urbanas e tem inevitavelmente de impor nesse processo o
terror sobre essa população, ainda que de forma não planejada. Acontece que a
população operária e camponesa apoiava os bolcheviques contra as tropas brancas
nas quais via a restauração do terror dos latifundiários e capitalistas, mas
também sentiam os limites da política de abastecimento dos bolcheviques e
precisava buscar por todos os meios esses viveres, inclusive burlando as leis
do Estado socialista.
Sem
falar nas enormes privações do período de guerra que leva a morte por inanição
ou pelo frio de uma parte considerável da população operária dos centros
industriais e urbanos, enquanto outra é forçada a retornar as regiões rurais em
busca de refugio material. O que inviabilizava na prática a democracia operária
dos sovietes e mantinha-as, como já afirmei, como potencialidades. Sem falar da
supressão efetiva dos Comitês de Fábrica em favor da responsabilidade
unipessoal[7]. Esse é um
ponto falho do trecho citado do texto de Cerdeira e um exemplo da sua
incapacidade de perceber o caráter potencial e não efetivo, da democracia no
período de Lênin. Os Comitês de Fábrica efetivamente deixaram de funcionar em
favor do sistema de diretor único indicado pelo poder central, e em
contrapartida, Cerdeira inclui-os entre as organizações que asseguravam a
democracia operária daquele período.
Os
méritos de Lênin não são a realização plena da liberdade e da democracia
operária e sim a realização e defesa da revolução socialista. Defesa que se fez
através da instauração de uma ditadura enérgica, que por vezes tolhia direitos
dos trabalhadores, mas que foi extremamente necessária devida as circunstâncias
extraordinárias.
Dessa
forma, se se tem em vista esse quadro do período anterior ao período de Stálin,
obviamente que Stálin representa não uma deriva burocrática e totalitária no
poder soviético. Para já não falar das enormes limitações do conceito de regime
totalitário, o período de Stálin é na verdade o de realização efetiva das
potencialidades democráticas do regime soviético. Ao desenvolver a economia
socialista, ao livrar milhões de seres humanos da morte pela fome, ao realizar
o pleno emprego, ao livra a URSS e o mundo da ameaça nazifascista, ao aprimorar
o ordenamento constitucional do regime soviético.
É
claro que essa discussão é muito mais enviesada e problemática do que parece.
Mas o que argumento aqui é que a construção da teoria de uma ruptura entre
bolchevismo e stalinismo se apoia, e muito, na idealização do período de Lênin.
Numa mitologia do período de Lênin.
A hipocrisia do argumento de Trotsky sobre o massacre da
velha guarda bolchevique
Outro elemento que me chamou atenção no texto é a utilização
do argumento de Trotsky, segundo o qual, o stalinismo não poderia ser
considerado um filho do bolchevismo, porque:
Depois da purga, a divisória entre o stalinismo e o
bolchevismo não é uma linha sangrenta, mas sim toda uma torrente de sangue. A
aniquilação de toda a velha geração bolchevique, de um setor importante da
geração intermediária, a que participou na guerra civil, e do setor da
juventude que assumiu seriamente as tradições bolcheviques, demonstra que entre
o bolchevismo e o stalinismo existe uma incompatibilidade que não é só
política, mas também diretamente física.[8]
Depois desse raciocínio só restaria, segundo Trotsky, a
pergunta “se o stalinismo é herdeiro do bolchevismo porque teve necessidade de
aniquilar fisicamente toda a velha guarda bolchevique para consolidar seu
poder?” Mas parece que a situação é mais complicada do que ele pretende, afinal
era ele mesmo quem pouco antes havia denunciado que a velha guarda bolchevique
afastava-se da revolução e se tornava um grupo apodrecido de burocratas. E
pouco antes de ser banido do país reivindicava que a juventude se rebelasse
contra a burocracia reinante no Kremlin. Não é estanho que mais tarde, quando
essa velha geração de burocratas degenerados é banida por Stálin, Trotsky volte
a ver nela o elo com o velho bolchevismo liquidado pelo stalinismo?
O mito do caráter circunstancial da reivindicação de
“estatização dos sindicatos e da militarização do trabalho” em Trotsky
A afirmação de que a reivindicação de estatização dos
sindicatos e da militarização do trabalho, em Trotsky, tem caráter
circunstancial é outro ponto que me chamou atenção no texto. Para Cerdeira esse
teria sido um “erro” de Trotsky. Acredito que não. Esse não foi um erro de
Trotsky, mas sim algo que estava vinculado a sua própria interpretação do marxismo[9]. Vejamos o que
Trotsky afirma sobre isso. No IX Congresso do Partido Comunista da Rússia, em
Março de 1920, no relatório em que traça seu projeto ele busca também
justifica-lo teoricamente:
“Antes de desaparecer, a coerção estatal atingirá, durante o
período de transição, o seu mais alto grau de intensidade na organização do
trabalho.”
Quem está familiarizado com o Marxismo sabe muito bem que
“período de transição” significa socialismo. Período de transição entre
capitalismo e comunismo. Para Trotsky, o socialismo é sinônimo de coerção
estatal em seu mais alto grau de intensidade sobre a classe trabalhadora. O que
está de em total concordância com a interpretação economicista que Trotsky faz
do marxismo.
Outro elemento interessante se encontra nessa passagem do
mesmo relatório:
A militarização é impossível sem a militarização dos
sindicatos como tais, sem o estabelecimento de um regime no qual cada trabalhador
se considere um soldado do trabalho que não pode dispor livremente de si mesmo;
se ele recebe uma ordem de transferência, deve executá-la; se não a executa,
será um desertor que deve ser punido. Quem cuida disso? O sindicato. Ele cria o
novo regime. É a militarização da classe operária (TROTSKY apud BETTELHEIM,
1979: 351).[10]
Para Trotsky o sindicato, mais precisamente, o sindicato
militarizado, cria o novo regime, o socialismo. Isso não é só uma proposta
burocrática de socialismo, mas também, combina-se ao desvio para o
sindicalismo.
A
posição de Trotsky quanto a militarização do trabalho e dos sindicatos não é de
maneira nenhuma um erro, mas parte fundamental de seu pensamento. É claro que
mais tarde, quando já estava banido, Trotsky lança seus berros contra o regime
de trabalho instituído por Stálin na URSS. Mas isso só é prova de que a
politica que desenvolve é hipócrita. Quando dispondo do poder, o ex-comissário
elaborou uma proposta de organização do trabalho que se baseava, não só na
aniquilação de toda autonomia dos trabalhadores no processo de produção, mas
também aniquilação de suas garantias civis o transformando num “soldado do
trabalho que não pode dispor livremente de si mesmo”.
Lênin e o Problema do Socialismo em um só país
Outra questão muito delicada no texto é a tentativa de
assimilação entre trotskismo e leninismo sob o signo do bolchevismo que se opõe
ao stalinismo burocrático. Segundo Cerdeira:
O primeiro a lutar contra a burocratização foi o próprio
Lenin. Foi seu último combate, só interrompido por sua morte em 1924. A
bandeira da luta contra a burocracia foi arrebatada pela Oposição de Esquerda,
dirigida por Trotsky que a sintetizou em forma de programa político de
transição na luta pela Revolução Política, uma das bases para a fundação da
Quarta Internacional.[11]
A luta de Lênin contra a burocracia merece ser tratado com
muita seriedade. Merece um artigo inteiro para estuda-lo. Quanto à luta de
Trotsky, o exemplo dos sindicatos é bem significativo do valor dessa luta.
Mas
outra forma de assimilação entre as duas teorias que merece mais atenção é a
afirmação de que nem Lênin nem Trotsky “pensaram que seria desejável ou mesmo
possível qualquer tipo de desenvolvimento “socialista” num só país.”[12] O
que não é verdade. Para confirmar essa tese Cerdeira só fornece uma citação de
Lênin que vai retirar do livro de Trotsky que é, portanto, pouco fiável e nem
se quer serve como prova de que Lênin não pensava em um desenvolvimento
socialista em um só país; “Tendo conquistado o poder, o proletariado russo
tinha inteira chance de mantê-lo e impulsionar a Rússia através da vitoriosa
revolução no Ocidente.”[13] Essa
citação só serve para comprovar que Lênin acreditava que a vitória da revolução
no Ocidente poderia impulsionar a Rússia proletária na edificação do
socialismo, não que ela era seu pressuposto. Por outro lado, Lênin fala
abertamente do socialismo em um só país nesses termos já em 23 de Agosto de
1915, portanto, antes mesmo da Revolução de Outubro:
A desigualdade do desenvolvimento económico e político é uma
lei absoluta do capitalismo. Daí decorre que é possível a vitória do socialismo
primeiramente em poucos países ou mesmo num só país capitalista tomado por
separado.
E traça o programa da revolução socialista vitoriosa em um
só país:
O proletariado vitorioso deste país, depois de expropriar os
capitalistas e de organizar a produção socialista no seu país, erguer-se-ia
contra o resto do mundo, capitalista, atraindo para o seu lado as classes
oprimidas dos outros países, levantando neles a insurreição contra os
capitalistas, empregando, em caso de necessidade, mesmo a força das armas
contra as classes exploradoras e os seus Estados (LENIN, 1979: 571)[14].
Assim a primeira tarefa do novo Estado Operário isolado é a
de “expropriar os capitalistas e de organizar a produção socialista no seu
país”. Lênin aparece aqui como o pai da teoria do socialismo em um só país, e
até onde se queira da coexistência pacífica, já que a passagem para o conflito
direto com o mundo capitalista pressuponho um largo tempo no qual será possível
organizar a produção socialista. O pensamento de Lênin estaria muito mais
identificado com o que se costuma chamar de Stalinismo do que com o Trotskismo.
Já que a posição que Trotsky – em plena maturidade política – expõe; é:
Foi precisamente durante o intervalo transcorrido entre 9 de
janeiro e a greve de outubro de 1905 que esses pontos de vista – posteriormente
conhecidos como teoria da "revolução permanente "– amadureceram na
mente do autor. Esta expressão um tanto presunçosa, revolução permanente,
pretende indicar que a revolução russa, embora diretamente relacionada com
propósitos burgueses, não podia deter-se em tais objetivos: a revolução não
resolveria suas tarefas burguesas imediatas sem o acesso do proletariado ao
poder. E o proletariado, uma vez que tivesse o poder em suas mãos, não poderia
permanecer confinado dentro do modelo burguês da revolução. Pelo contrário,
precisamente como objetivo de garantir sua vitória, a vanguarda proletária –
nos primeiros estágios de seu governo – teria que fazer incursões extremamente
profundas não apenas nas relações da propriedade feudal, como também nas de
propriedade burguesa. Ao fazer isso não apenas entraria em conflito com todos
aqueles grupos burgueses que a tinham apoiado durante as primeiras etapas da
luta revolucionária, mas também com as grandes massas do campesinato, cuja
colaboração teria levado o proletariado ao poder.
As contradições entre um governo dos trabalhadores e uma
esmagadora maioria de camponeses num país atrasado só poderiam ser resolvidas
em escala internacional, nos limites de uma revolução proletária mundial.
A data é 12 de Janeiro de 1922 e Trotsky afirma:
Apesar dos doze anos transcorridos, essa análise foi
completamente confirmada.[15]
O que tem tudo isso a ver com o Leninismo. Acaso Lênin teria
abandonado suas posições iniciais em favor das posições de Trotsky. Vejamos o
que diz o líder da revolução, em um dos seus últimos escritos:
Todos os grandes meios de produção em poder do Estado e o
Poder estatal nas mãos do proletariado; a aliança deste proletariado com os
muitos milhões de camponeses e muito pequenos camponeses; a garantia de que o
proletariado dirija os camponeses, etc. Acaso não é tudo isso necessário para
que, com a cooperação e apenas com a cooperação, que antes designamos como
mercantilista e que agora, sob a orientação da NEP, merece também de certo modo
a mesma designação, acaso não é tudo isso necessário para construir a sociedade
socialista completa? Não é ainda a construção da sociedade socialista, mas
realmente é tudo necessário e suficiente para esta construção –
o grifo é nosso. (Lênin, 1980B: 657-658).[16]
Pois bem, a data é 6 de Janeiro de 1923, e Lênin fala que a
Rússia da NEP dispõe de tudo que é suficiente para a construção do socialismo.
Fala de aliança entre os proletários e os milhões de camponeses e muito
pequenos camponeses. Enquanto Trotsky fala de impossibilidade de resolução dos
problemas da revolução russa na arena nacional. Fala de coalisões hostis entre
o Estado dos operários e a massa camponesa atrasa. Fala de “contradições entre
um governo dos trabalhadores e uma esmagadora maioria de camponeses” só
solucionáveis na arena internacional. São dois pensamentos diametralmente
opostos. Outro exemplo disto está no próprio texto. Cerdeira cita essa passagem
que é característica do pessimismo politico de Trotsky:
Se o povo europeu não se insurgir e derrotar o imperialismo,
nós deveremos ser esmagados, isto é indubitável. Ou a Revolução Russa consegue
fazer eclodir a luta no Ocidente, ou então os capitalistas do mundo inteiro
sufocarão a nossa revolução.[17]
Essas são algumas das minhas considerações sobre o texto
“Bolchevismo e Stalinismo; um velho debate”.
Conclusão
Sem se ater aos dados empíricos da história da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas disponíveis os trotskistas vêm, baseando-se
nos escritos de Trotsky sobre a Revolução Russa e seu desenlace, escritos que
são extremamente lisonjeiros para si mesmo, contribuindo para fortalecer mitos
sobre o que se passou na URSS dos anos 1930. Mitos que tem servido para
fortalecer a leitura feita pelos Estados ocidentais do período da guerra fria,
onde Stálin é sempre visto como o propulsor de uma ruptura com o marxismo
revolucionário (bolchevismo) do período de Lênin. Se faz necessário contrapor a
essa leitura uma que se atenha melhor aos dados históricos e possa assim
questionar o pensamento único vigente nas leituras históricas.
[1] Bernado
Cirdeira; Bolchevismo e Stalinismo um velho debate
<>,
consultado em 25 de Outubro de 2012.
[2] Obra
citada
[3] Vladimir Lênin,
Acerca do Infantilismo “de Esquerda” e o Espirito Pequeno-Burguês, páginas
592-613 (citação na nota de rodapé da página 606) in V.I. LENIN OBRAS
ESCOLHIDAS EM TRÊS TOMOS; V. 2. – São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1980. Também
disponível em <>.
[4] Vladimir Lênin,
Acerca do Infantilismo “de Esquerda” e o Espirito Pequeno-Burguês, páginas
592-613 in V.I. LENIN OBRAS ESCOLHIDAS EM TRÊS TOMOS; V. 2. – São Paulo:
Editora Alfa-Omega, 1980. Também disponível em
<>.
[5] Vladimir Lênin,
A Pátria Socialista Está em Perigo, páginas 479-480 in V.I. LENIN OBRAS
ESCOLHIDAS EM TRÊS TOMOS; V. 2. – São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1980. Também
disponível em <<http://www.marxists.org/portugues/lenin/1918/02/22.htm>>.
[6] Vladimir Lênin,
A Economia e a Política na Época da Ditadura do Proletariado, páginas 202-209
in V.I. LENIN OBRAS ESCOLHIDAS EM TRÊS TOMOS; V. 3. – São Paulo: Editora
Alfa-Omega, 1980. Também disponível em <<http://www.marxists.org/portugues/lenin/1919/10/30.htm>>.
[7] Charles
Bettelheim, Luta de Classes na União Soviética: Primeiro Período: (1917-1923),
A; – 2ª Edição – a tradução de Bolívar Costa, revisão técnica de Sérgio Silva.
– Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Páginas 141-145.
[8] Trotsky apud
Cerdeira, Bernado Cirdeiro; Bolchevismo e Stalinismo um velho debate
<>,
consultado em 25 de Outubro de 2012.
[9] Na entrevista
ao Jornal da Verdade de 21 de Setembro de 2011 o historiador Grove Furr define
assim o marxismo de Trotsky “um tipo de determinismo econômico extremado –
predizia que a revolução estava fadada ao fracasso a não ser que fosse seguida
por outras revoluções nos países industrialmente avançados.” << http://averdade.org.br/2011/09/acusacoes-de-kruschev-contra-stalin-sao-falsas/>>
Consultado em 25 de Outubro de 2012.
[10] Charles
Bettelheim, Luta de Classes na União Soviética: Primeiro Período: (1917-1923),
A; – 2ª Edição – a tradução de Bolívar Costa, revisão técnica de Sérgio Silva.
– Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
[11] Bernado
Cirdeira; Bolchevismo e Stalinismo um velho debate
<>,
consultado em 25 de Outubro de 2012.
[12] Obra citada
[13] Obra citada
[14] Vladimir
Lênin, Sobre a Palavra de Ordem dos Estados Unidos da Europa, in V.I. LENIN
OBRAS ESCOLHIDAS EM TRÊS TOMOS; V. 1. – São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1979.
Páginas 569-572. Também disponível em << http://www.marxists.org/portugues/lenin/1915/08/23.htm>>
Consultado em 25 de Outubro de 2012.
[15] Leon Trotsky
, prefácio à edição de 1922 do livro A Revolução de 1905, <http://www.marxists.org/portugues/trotsky/1907/rev_1905/prefacio.htm,
consultado pela última vez em 29 de junho de 2012.> consultado em 25 de
Outubro de 2012.
[16] Vladimir
Lênin, Sobre a Cooperação, in V.I. LENIN OBRAS ESCOLHIDAS EM TRÊS TOMOS; V. 3.
– São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1980. Páginas 657-662.
[17] Trotsky
apud Bernado Cirdeiro; Bolchevismo e Stalinismo um velho debate
<>,
consultado em 25 de Outubro de 2012.
Fonte - República Socialista
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